Exposição de José de Guimarães no Museu Würth-La Rioja
● No comunicado de imprensa fica-se com a ideia de que esta exposição representa uma espécie de «regresso às origens», até pelo elevado número de obras expostas da sua colecção de arte africana, mas também se diz que se trata de uma «retrospectiva diacrónica» dos seus diferentes períodos artísticos. Estamos de alguma forma em presença de «duas» exposições?
Número 125 · 7 de Maio de 2008 · Suplemento do JL n.º 981, ano XXVIII
● Do ponto de vista prático, esta exposição é composta pelas obras que pertencem ao Museu Würth alemão, cuja sede é na Alemanha, obras da minha autoria. Eles têm hoje mais de uma centena de obras [minhas]. E pelas obras que eu emprestei e que, no fundo, são o meu Alfabeto Africano, que é constituído por 134 objectos, do período entre 72 a 74.
O Alfabeto Africano, como o nome diz, nasceu em África, naqueles sete anos em que eu lá estive. Foi construído por mim, a partir da simbologia local, etc. Os 134 objectos são pela primeira vez reunidos. Nunca tinham sido reunidos. Já foram mostrados alguns, nomeadamente no Brasil, em São Paulo, onde eu fiz há dois anos uma exposição no Museu Afro-Brasil. Foram mostrados alguns [objectos], no ano passado, na Bienal de Valência. Mas na totalidade vão agora ser mostrados pela primeira vez em Espanha, no Museu Würth - La Rioja.
Bom, isso é uma coisa. É o Alfabeto Africano da minha autoria. Para além disso, eu emprestei cerca de 80 esculturas africanas, de arte tribal africana, da minha colecção de arte africana.
● Mas as suas obras mais recentes andaram afastadas desses anos 70...
● Claro. A exposição tem este período inicial, que é o período demonstrativo de um processo que eu desenvolvi e continuo a desenvolver. Depois haverá todas as obras das várias épocas, nomeadamente o período africano, a série México, a série China, e outros relacionados com outra temática que eu desenvolvi e que pertencem, esses sim, à colecção Würth. Portanto, no fundo, vamos aqui fazer uma... é mais do que uma antológica. É uma retrospectiva em que há uma forte incidência no período africano.
● É apresentado como um artista plástico que fez, de alguma maneira, a síntese entre a arte africana e a arte europeia. Concorda com isso?
● Não sei se essa palavra síntese... Procurei uma osmose. Tentei, a partir daquilo que a arte africana me deu. Quando falo em arte africana, arte tribal, e que hoje mais modernamente se diz artes primeiras, não falo só na estatuária, no objecto, mas noutro tipo de manifestações artísticas que os africanos utilizam e usam, nomeadamente as danças de ritual, as tatuagens, determinado tipo de inscrições que utilizam como meios de comunicação entre si, uma comunicação ideográfica.
Portanto, o meu desenvolvimento a partir da arte africana foi mais em termos de comunicação. O que deu origem ao tal Alfabeto. Porque com esse Alfabeto eu comunico. É uma espécie de alfabeto à chinesa. Eu tenho 130 símbolos, cada símbolo tem um significado... São pictogramas. É como os chineses, cada símbolo tem um significado. Não há uma construção gramatical no sentido ocidental. Há uma comunicação de formas e cada forma tem o seu significado e quando a gente junta várias formas, aquilo depois dá um provérbio, se quiser. Não dá uma frase, mas dá um provérbio, dá um conceito.
● Trabalha por séries...
● Exactamente...
● Qual a razão? Há quem diga que se trata de uma forma de visitar/decifrar temas e locais tratados...
● Quando trato um tema, trato-o até sentir que para mim se esgotou. Por exemplo, estou neste momento a desenvolver a série Brasil. E porquê? Porque realmente nos últimos anos tenho andado pelo Brasil, fiz uma série de exposições, tenho visitado, tenho lido muito sobre o Brasil e isso entusiasmou-me. Por outro lado, quando mergulhamos nas raízes brasileiras, vamos parar a África. Portanto, é quase que fechar o meu circuito artístico. Isso faz com que esteja a desenvolver agora uma temática que tem dado várias obras, nomeadamente uma exposição aqui em Lisboa, inaugurada a 7 de Maio, intitulada Brasil, na galeria ‘Quadrado Azul\'.
● Quando se vê os seus quadros dos anos 70 e depois os dos anos 90 para a frente, nota-se uma grande diferença. Havia uma clareza no traço e uma identificação imediata que desapareceu. O que é que mudou?
● Evoluiu... Não há uma razão clara e intelectiva, mas há uma razão intuitiva. Enfim, aconteceu... Eu fiz várias coisas e, portanto, não houve um propósito. As coisas vêm naturalmente.
● Lá fora a sua obra tem um impacto imenso e há imensa informação sobre si, diferentemente do que acontece em Portugal. Concorda que é mais conhecido lá fora do que em Portugal?
● Na verdade, nos últimos anos tenho realizado uma série de grandes exposições fora de Portugal, da iniciativa de entidades estrangeiras. Para ser mais objectivo: há dois anos fiz uma grande exposição no Museu Afro-Brasil ([São Paulo] em 2006), em 2005 tinha feito outra grande exposição em São Paulo, na FIESP, que é uma fundação cultural da indústria, participei no ano passado nas bienais de Valência e de Veneza e anteriormente participara numa grande exposição, organizada pela Fundação Caixa Nova, em Vigo; no ano passado tive uma grande exposição na China, em Pequim, etc., etc. Realmente estas coisas têm acontecido. As minhas obras mais importantes estão fora de Portugal. Isso é um facto.
Aliás este Museu Würth, cuja casa-mãe é na Alemanha, que tem vários museus espalhados pela Europa e que vai construir um no México e outro em Xangai [China], é uma prova disso. Desde há mais de 15 anos que vem adquirindo [as minhas obras]. Têm-me seguido e acompanhado. Temos tido um bom relacionamento. Gostam da minha obra. Já expus com eles em Basileia e em Chur (Suíça), onde organizaram umas grandes exposições [2003], isto sempre com as obras que eles têm.