Leitorado de Lyon
A situação dos Estudos de Língua e Cultura Portuguesa em França está em mudança acentuada. Se no passado predominavam os estudantes oriundos da forte comunidade portuguesa no país, hoje é cada vez maior o número de franceses que procura uma formação na Língua Portuguesa.
Número 124 · 9 de Abril de 2008 · Suplemento do JL n.º 979, ano XXVIII
A mudança reflecte uma alteração da percepção que os franceses tinham de Portugal, em que «durante anos perduraram os estereótipos do fado, do futebol (Amália e Eusébio), do bacalhau (la morue), de um país pobre e atrasado, da concierge portugaise, da femme de ménage e do maçon», reconhece Margarida Videira, 52 anos, desde 2006/07 leitora do Instituto Camões (IC) no Centro de Língua Portuguesa (CLP) da Universidade Lumière Lyon 2 (ULL2), situada na capital da região de Rhône-Alpes (sudeste), que acolhe a segunda maior comunidade portuguesa em França, depois da região parisiense.
«Hoje essa imagem parece francamente ultrapassada», considera Margarida Videira, que se encontra na sua terceira estadia em França como leitora. «Se é certo que os futebolistas continuam a estar presentes no imaginário francês (basta ver as ‘estrelas\' portuguesas e brasileiras do Olympique Lyonnais), a imagem de Portugal é bastante positiva», com reflexos na aprendizagem da Língua Portuguesa. «Durante anos conotada (negativamente) como uma língua de imigração, a Língua Portuguesa é hoje procurada por muitos franceses, e em todos os níveis de ensino».
«No início dos Estudos de Português na Universidade (começo dos anos 70), os alunos eram quase exclusivamente oriundos da comunidade portuguesa», relata Margarida Videira. «Hoje a realidade começa a ser bem diferente», constata esta professora nascida no Porto e licenciada em Românicas e mestre em Literatura Francesa pela Universidade de Lisboa. Se nos alunos inscritos na Licenciatura de Português «predominam ainda os luso-descendentes», nas opções o predomínio é de «franceses», «que nada têm a ver com Portugal, e que são, maioritariamente, estudantes de Espanhol, ou de outras Licenciaturas para quem aprender Português pode ser uma mais-valia».
Mesmo entre os que estão na Licenciatura de Português, «a situação alterou-se». «Muitos estudaram Português no liceu, outros, sendo embora luso-descendentes, quase não falam Português, inscrevendo-se no nível de iniciação. E a par dos luso-descendentes, ainda predominantes, começam a surgir cada vez mais brasileiros e alguns africanos dos PALOP». «Estamos longe da situação dos anos 80 e 90», sintetiza Margarida Videira.
Embora o número de alunos da Licenciatura tenha estabilizado nos últimos anos (120 em 2007/08, incluindo mestrado e doutoramento), o de alunos de outras áreas que estudam o Português como opção «tem aumentado significativamente» (300 alunos em 2007/08).
Para isso muito contribuiu, no dizer de Margarida Vieira, «o facto de o ensino do Português ter passado a integrar o sistema escolar normal, no ensino primário». Mas «também o ensino do Português em escolas e em classes de prestígio, como as classes europeias (bilingues), ou nos liceus internacionais (como aconteceu precisamente em Lyon, em 2007, com a integração do Português na Cité Scolaire Internationale), tem contribuído para revalorizar a imagem da Língua Portuguesa e do seu ensino», a que se soma a associação do Português «ao universo mais vasto e culturalmente diversificado da lusofonia» e à visão que hoje existe de Portugal como um país «europeu», moderno e em franco desenvolvimento.
Sendo no entanto a comunidade portuguesa em França marcada por um forte sentimento «identitário» e uma forte ligação ao país de origem, segundo Margarida Vieira, não surpreende quando a leitora diz que ao inscreverem-se na Licenciatura de Português «muitos aspiram a ... poder regressar a Portugal, ao país dos seus pais».
Outros «procuram integrar o ensino do Português em França (via cada vez mais difícil ...)», ou «uma saída profissional em relação com Portugal ou com os países lusófonos: trabalhar nos bancos portugueses, ou em empresas portuguesas em França, ou francesas instaladas em Portugal, no turismo, noutras áreas... Muitos procuram de algum modo uma relação entre a França e Portugal e viabilizar, profissionalmente, uma ligação entre as duas culturas, a de origem, e a outra, a francesa. São jovens que se encontram partilhados entre esses dois universos e que vivem, mais ou menos harmoniosamente, essa dupla identidade, que aliás reivindicam».
Os números da comunidade portuguesa em França (cerca de 800.000 pessoas) explicam esta realidade. Aqueles que nasceram em França representam actualmente cerca de um quarto do total e perto de 235.000 são bi-nacionais, situação mais comum nas novas gerações.
Nestes jovens luso-descendentes, «sobretudo nos alunos do 1° ano», Margarida Videira nota «o desfasamento profundo entre as práticas culturais em França e as que estão associadas à cultura portuguesa. A música francesa que ouvem, o cinema a que vão com os amigos franceses, as leituras, os hábitos e as actividades de lazer nada têm a ver com o ‘lado português\'. Aqui predomina ainda uma certa representação de Portugal e da cultura portuguesa, que é bem distinta da dos jovens portugueses que vivem em Portugal».
São contudo estas novas gerações que estão a transformar a comunidade portuguesa em França, «criando uma nova imagem de sucesso, de dinamismo e de inserção conseguida», na opinião da leitora da Universidade Lumière Lyon 2.
Essa imagem foi favorecida pelo desenvolvimento considerável, a partir dos anos 80, do diálogo cultural entre Portugal e França, que se traduziu, nomeadamente, pela publicação da tradução de numerosos autores portugueses contemporâneos, como Fernando Pessoa, lembra Margarida Vieira. No cinema, realizadores como Manoel de Oliveira, João César Monteiro e outros, da jovem geração, «são reconhecidos pela crítica» e as suas obras surgem regularmente nos festivais.
«Em todos os domínios, a cultura portuguesa contemporânea está presente em França e tem um público que a acolhe favoravelmente», considera Margarida Videira, que defende ser neste domínio que «o trabalho de difusão da cultura portuguesa deve ser prosseguido».