O ano de 2008 deverá trazer os dados preliminares sobre o panorama da evolução da difusão da Língua Portuguesa em Moçambique, de acordo com os resultados do III Recenseamento Geral da População e Habitação, realizado entre 1 e 15 de Agosto de 2007, dez anos depois de o II Recenseamento ter mostrado uma progressão significativa da difusão do Português naquele país da costa oriental de África.
Número 123 · 12 de Março de 2008 · Suplemento do JL n.º 977, ano XXVIII
De 1980, data do I Recenseamento, a 1997, o número de falantes da Língua Portuguesa passou de 25 para 39% num país que esteve em guerra entre 1977 e 1992, quando nesta última data foi assinado o Acordo de Paz de Roma entre o Governo do Partido Frelimo e o movimento de guerrilha da Renamo.
Em 1980, a percentagem daqueles que tinham o Português como língua materna não ultrapassava 1,2%. Volvidos 17 anos eram já 6% da população.
Na altura da independência, em 1975, os falantes de português não representavam 10% da população moçambicana, percentagem que subiria em flecha com as políticas de escolarização exclusiva em Português e de alfabetização, com grande dinamismo nos primeiros anos de vida do novo Estado.
Esta política foi consequência da decisão de tornar constitucionalmente oficial a Língua Portuguesa, «dada a história do seu uso em Moçambique, o tipo de diversidade linguística prevalecente no país, as premissas ideológicas relacionadas com o tipo de sociedade concebida para o país», segundo Gregório Firmino, professor da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e autor do estudo de referência do INE moçambicano sobre os dados do recenseamento de 1997, intitulado Situação Linguística de Moçambique (2000).
A língua materna da esmagadora maioria da população é do grupo bantu (93%), mas esta pertença comum não impede que aos moçambicanos seja tão difícil entenderem-se entre si nas línguas nacionais como o é entre falantes do grupo de línguas indo-europeias a que o Português pertence.
É um país que, segundo Armando Jorge Lopes, actual director da Faculdade Letras e Ciências Sociais da UEM, apresenta «grande diversidade linguística», porque menos de 50% da população fala a mesma língua, uma situação existente em 25 de 58 países africanos. O censo de 1997 mostra que as cinco línguas nacionais usadas com mais frequência (Emakhuwa, Xichangana, Elomwe, Cisena e Echuwabo) representam 58% da população e apenas as duas primeiras ultrapassavam os 10%. Acresce que várias das línguas nacionais de Moçambique têm importantes comunidades de falantes nos países limítrofes, com a excepção da principal delas, o Emakhuwa, falado na metade norte do país.
Esta situação ditou a adopção do Português, já extensamente usada entre as elites dirigentes independentistas, como língua franca oficial e língua de "unidade nacional". A Língua Portuguesa foi vista pelo Estado moçambicano como um instrumento para favorecer o processo de unidade nacional, criando uma identidade moçambicana
Seria de esperar que este processo "moçambicanizasse" a língua oficial, como dá conta um documento governamental sobre política linguística, de 1983, em que se defendia a "moçambicanização" do Português falado em Moçambique «na sua estrutura, no seu léxico, na sua pronúncia, no seu ritmo, na sua musicalidade».
Contudo, segundo refere Perpétua Gonçalves, professora da UEM, quando a "nativização" do Português ultrapassou a inovação lexical e a pronúncia "africanizada", para entrar nas frequentes inovações gramaticais, as elites, que tinham em mente o modelo brasileiro, reagiram mal e rejeitaram-nas como "ilegítimas".
Paradoxalmente, o que daqui resultou, segundo a docente da UEM, não foi o orgulho de falar um Português diferente, moçambicano - algumas inovações lexicais perderam-se mesmo entretanto -, «mas sim a vontade de ‘falar bem\' Português, isto é, uma vontade de alcançar uma convergência com as regras do Português Europeu».
As mudanças mais significativas verificadas no Português de Moçambique «decorrem ‘naturalmente\' da aquisição do Português como língua não-materna, num contexto em que os aprendentes não têm, em geral, acesso à norma nativa europeia, tomada como alvo, nem em ambiente natural nem através da instrução formal».
Um estudo realizado em 1999 sobre o discurso oral de residentes em Maputo mostrou que «90% dos desvios [à norma europeia do Português] diziam respeito à área gramatical e, em contraste com as inovações lexicais, que apenas representavam 10%», segundo Perpétua Gonçalves.
Atendendo a que a maior parte dos falantes de Português não domina a norma europeia, o que provoca problemas no campo educativo, estudiosos e investigadores têm debatido sobre a adopção de um «padrão moçambicano» para a Língua Portuguesa, «com base no discurso das pessoas instruídas». Só que essa opção, coloca também problemas específicos, como nota Perpétua Gonçalves, porque a variante culta está longe de se encontrar estabilizada.
Jovem, urbano e falante de Português
O retrato do falante tipo de Língua Portuguesa em Moçambique é homem, jovem e vive em meio urbano. Isto é verdade tanto para a reduzida minoria que tem o Português como língua materna, como para os que têm o Português como língua segunda (33% da população).
Noventa por cento dos que têm a Língua Portuguesa como língua materna vivem em meio urbano. No meio rural «há pouca motivação e poucas situações em que é necessário usar o Português, por isso o número de falantes diminui consideravelmente», considera Perpétua Gonçalves.
Com efeito, «a predominância do número de falantes de Português nas cidades prende-se sobretudo com razões económico-sociais, nomeadamente o facto de o conhecimento desta língua constituir uma condição mínima para o acesso ao emprego», sustenta ainda a professora.
Para os que têm o Português como língua materna, o censo de 1997 indica que a sua «maior proporção [...] situa-se na faixa etária dos 10-20 anos» (9%), indica o professor Gregório Firmino.
Para Perpétua Gonçalves o facto de a percentagem de falantes que tem o Português como língua materna estar concentrada nas faixas etárias com menos de 35 anos resulta da data da independência nacional, que constituiu «um marco importante na promoção social e consequente prestígio desta língua em Moçambique»
Entre os recenseados com 50 anos ou mais, «o conhecimento da Língua Portuguesa é proporcionalmente insignificante», isto apesar de essa faixa etária ser composta por pessoas que viveram mais longamente sob a administração colonial portuguesa.
Ou seja, o Moçambique independente, ao ter feito da Língua Portuguesa a «língua oficial» do país fez mais - pelo seu uso obrigatório na administração e pela sua política de escolarização de massas - pela sua difusão do que a anterior administração colonial portuguesa.