O escritor Jacinto Lucas Pires tem visto algumas das suas obras publicadas no estrangeiro (Brasil, Espanha, França, Croácia, Noruega e Tailândia). Nos contactos com os públicos estrangeiros preza a «distância crítica» que os olhares exteriores favorecem. Estes e outros temas numa curta entrevista a um autor nascido depois do 25 de Abril (33 anos) que se espraia pelo romance, teatro, conto e crónica.
Número 125 · 7 de Maio de 2008 · Suplemento do JL n.º 981, ano XXVIII
● No âmbito da Feira do Livro de Budapeste participou em Abril no Festival do Primeiro Romance a convite do Instituto Camões. Qual a importância da participação neste tipo de eventos e do contacto com públicos estrangeiros?
● É importante porque é não só uma oportunidade de conhecer e dar a conhecer "literaturas" nacionais e individuais, mas também um bom pretexto para, no confronto com outras pessoas e outras visões, se pensar de novo o que se anda a fazer, todos os ‘porquês\' e ‘paraquês\'. Até porque essa distância, em relação a nós próprios e ao nosso trabalho - uma distância crítica que os olhares estrangeiros facilitam -, é, parece-me, uma condição essencial da criação. Pelo menos, se não queremos andar a repetir sempre os mesmos "bonecos"... Como dizia certa personagem, "estar longe é estar desperto".
● Como explica que sendo um escritor bastante jovem, já tenha várias obras publicadas no estrangeiro. É uma questão de marketing, de competência da sua editora, da globalização ou....
● Não tenho tantas assim, embora recentemente duas traduções de peças de teatro que eu escrevi me tenham dado belas alegrias ("Universos e frigoríficos" na Tailândia e "Figurantes" em França!). Mas é sempre o facto simples de alguém gostar de um texto, sempre esse feliz acaso. Por vezes (nomeadamente, para quem não tem agente), a dificuldade é dar a conhecer o que se vai fazendo. Mas é verdade que há cada vez mais ligações e que a informação hoje circula muito mais rapidamente e mais facilmente. Essa "globalização" ajuda a que o tal feliz acaso - o de um editor, tradutor ou encenador estrangeiro se interessar pelo texto de um ‘portuga\' desconhecido - se dê algumas vezes.
● É um escritor que vive dos seus livros?
● Posso dizer que vivo do que escrevo, mas se só tivesse os livros estava tramado!... Também escrevo teatro e colaboro com jornais e revistas. O conjunto disso tudo é que, muito irregularmente, com altos e baixos, me vai mantendo à tona da água...
● Estudou Cinema nos Estados Unidos. Tem vários filmes realizados. Cinema e Literatura. A escrita cinematográfica é muitas vezes evocada para descrever a sua obra. O que liga e o que separa cinema e literatura?
● Escrevi e realizei duas curtas-metragens, "Cinemaamor" e "B.D.", e escrevi curtas para outros realizadores. Agora ando a ver se consigo fazer uma longa... Cinema e literatura? No essencial, diria que o cinema é uma escrita que parte do exterior e do silêncio, enquanto que a literatura começa no interior e na palavra.
● Há a tese de que temos uma excelente literatura, sobretudo uma óptima poesia, bem superior à nossa posição num hipotético ranking das nações, embora nem sempre isso seja reconhecido lá fora. Que comentário?
● Concordo que temos alguns excelentes poetas, mas não sei se fará grande sentido tentar imaginar rankings de nações a partir daí... (E aqui entre nós: a verdade é que, infelizmente, muitos desses grandes poetas também não são "reconhecidos" - isto é, lidos - por cá...) Dito isto, todas as iniciativas de dar a conhecer o melhor da nossa poesia no estrangeiro são, como é óbvio, de aplaudir. É demasiado estranho que este novo mundo "global" ainda não conheça de cor Sophia, O\'Neill ou Herberto Helder, por exemplo.
● Lusofonia e Acordo Ortográfico...
● Espantosamente, a lusofonia é ainda, na prática, um espaço por construir. Também por isso, sou a favor do acordo ortográfico - porque este, não sendo uma receita mágica para todos os problemas e distâncias, ajudará com certeza à aproximação dos vários países falantes de português, contribuirá para uma outra mobilidade dentro do espaço lusófono, facilitará o futuro da língua e, mais importante, ecoará como forte sinal político de mudança.
● Sente-se de alguma forma identificado com outros novos escritores? Há uma geração de novos escritores ou há um continuum literário? Como vê o panorama literário português?
● Há alguns escritores da minha geração, que começaram a escrever mais ou menos ao mesmo tempo, mas, para ser sincero, não descortino uma identificação de conjunto. Sou suspeito, claro. Pode ser só que, estando tão perto das árvores, não consiga ver a floresta. O "panorama literário português"? É uma espécie de aldeia, para o bom e para o mau. O aspecto mais preocupante, neste momento, parece-me ser o estreitamento (ou desaparecimento...) de espaços de crítica literária. Uma aldeia já tende a ser um lugar um pouco ensimesmado, se ainda lhe tiram as "janelas" da crítica a sério...
● «O modelo anglo-saxônico de sucesso está a impor-se por toda a parte. O modelo literário criado pelos anglo-saxões e \'os modelos\' diferentes, mas também escolhidos por eles. E desse modo, escrever sobre o homem planetário, em língua planetária, parece ser o caminho mais natural. Não vejo outro. Mesmo as culturas mais afastadas, como sejam as orientais, facilmente se estão adaptando ao modelo ocidental diretamente pensado em inglês, tendo como meta a New York Review of Books. Na minha modesta capacidade de olhar a bola de cristal do futuro, não vejo que os escritores portugueses possam fugir a isso». Lídia Jorge, O Estado de S. Paulo 04/02/2008. Vê-se ou revê-se nesta análise?
● Não sei se percebo exactamente o que Lídia Jorge quer dizer. Mas, como a história do meu romance, "Perfeitos milagres", se passa em Nova Iorque, às tantas também já estou aí, nessa de "língua planetária" e "homens planetários"!... Por outro lado, noutro sentido, escrever tem sempre alguma coisa de resistência e invenção, e um grande livro obedece apenas ao seu próprio modelo.
● O que é que está a ler agora?
● Estou a ler vários livros ao mesmo tempo, aos saltos, caoticamente: o "D. Quixote" de Cervantes (na tradução de José Bento); uma colecção de crónicas de Alexandre O\'Neill, "Uma coisa em forma de assim"; e um pequeno ensaio de Roland Barthes, "L\'empire des signes".