Efeito Brasil

A Língua Portuguesa na Argentina e Uruguai

A Língua Portuguesa (LP) está em forte expansão nos países de Língua Espanhola do cone sul do continente americano, em particular na Argentina e no Uruguai. É o «efeito Brasil», um país continental que pela sua importância económica crescente exerce uma sensível atracção sobre os seus vizinhos.

Número 129   ·   27 de Agosto de 2008   ·   Suplemento do JL n.º 989, ano XXVIII

Efeito Brasil
Fotos de Squeaky Marmot CC
Em Julho passado, na sua edição em linha, a revista brasileira Língua Portuguesa escrevia que a adopção do Português como «segundo idioma oficial» nos países de Língua Espanhola do Mercosul (comunidade económica sul-americana) estava a ser ponderada, bem como a obrigatoriedade do seu ensino nas escolas.

A Argentina já assinou mesmo com o Brasil um acordo para tornar o Português língua oficial no país, documento que está em fase de discussão, segundo Sónia Mendes, leitora do Instituto Camões (IC) no Instituto Superior en Lenguas Vivas ‘Juan Ramon Fernandez\', em Buenos Aires. É o culminar de um processo de duas décadas, em que o governo argentino tem aprovado/proposto leis que visam a promoção do ensino do Português como língua obrigatória no Ensino Primário e Secundário.

Anteriormente, os ministérios da Educação brasileiro e argentino tinham acordado a promoção do ensino do Espanhol e do Português como segundas línguas, prevendo a formação de professores com bolsas, educação a distância e convénios institucionais.

Com efeito, na Argentina e no Uruguai, dois países em que o IC está presente através de leitores integrados em instituições de ensino superior que formam professores de LP, e no primeiro caso também com um Centro de Língua (CLP), o ensino de Português já há muito que é ministrado a diversos níveis.

Este interesse pela LP, no caso argentino, deve-se, por um lado, segundo a leitora de Buenos Aires, «à proximidade do Brasil e ao fascínio» que este país - as suas praias, a sua música e a forma de estar dos brasileiros - exerce nos argentinos mais afluentes e viajados; por outro às relações económicas entre os dois países, possibilitadas pelo Mercosul, que «ditaram o facto de muitos argentinos começarem a optar por aprender a LP», em detrimento de outras línguas estrangeiras.

«O aumento de 80% na procura de aprendizagem da LP verificado na década de 90 e o decréscimo verificado em 2001 (valores fornecidos pela Universidade de Buenos Aires), época em que a Argentina viveu uma forte crise económica, é prova de que a aprendizagem desta língua está intimamente ligada à questão laboral e económica», adianta a leitora. A contraprova: «estabilizado o país em termos políticos e económicos, verificou-se um aumento de 100% de alunos de Português nos cursos extra-curriculares da Universidade de Buenos Aires».

 

Idioma materno

A situação no vizinho Uruguai - de que diversas partes, ao longo da história, chegaram a estar sob administração portuguesa e, depois, brasileira - não é muito diferente. O Uruguai é «um país com grande contacto com o Brasil», em que «grande parte da população tem familiares nesse país ou pretende um dia vir aí trabalhar», diz Raquel Carinhas, leitora do IC na Facultad de Humanidades y Ciências de la Educación da Universidad de la Republica, em Montevideu.

O facto de o Português ser o idioma materno para grande parte da população dos departamentos fronteiriços do Uruguai, onde os estudos linguísticos demonstraram a existência de dialectos de Português, determinou que surgisse nessas regiões, há 8 anos atrás, ao nível escolar Primário (1.º e 2º ciclos do básico em Portugal) o chamado ‘ensino dual\', em Português e Espanhol, explica a leitora de Montevideu. «Nestas escolas, os alunos, cuja língua materna pode ser uma ou outra, aprendem as diversas disciplinas (matemática, geografia, etc.) em ambos os idiomas». O ensino da LP surge depois no Secundário (equivalente ao 3.º ciclo e ao secundário em Portugal), com algumas escolas públicas a oferecerem o Português como segunda língua estrangeira.

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Fotos de Squeaky Marmot CC
Contudo, esta oferta, diz Raquel Carinhas, «não é homogénea» em todo o Uruguai, onde existem os chamados CLE (Centros de Língua Estrangeiras), dirigidos pela ANEP (Administração Nacional da Educação Pública), organismo estatal independente do Ministério da Educação. Os CLE, de frequência gratuita e extra-curricular, são «centros de línguas (Português, Francês, Alemão e Italiano) dirigidos a alunos do secundário que não têm hipótese de estudar na sua escola um idioma estrangeiro que não seja o Inglês».

Na Argentina, explica Sónia Mendes, a LP é ensinada a todos os níveis. No primário e secundário, como disciplina opcional ou obrigatória; no terciário (equivalente a bacharelato), «como disciplina curricular nos Profesorados e Traductorados en Português, ou seja, cursos superiores que formam professores e tradutores de Português» e como disciplina opcional noutros cursos, situação que se repete a nível universitário (licenciaturas).

 

Português obrigatório

É nas zonas de fronteira com o Brasil que o interesse pela LP é maior. Aí o Português já é ensinado em várias escolas primárias. Mas passará a ser obrigatório durante oito anos, no âmbito de um projecto de lei aprovado pela Câmara de Deputados, em Novembro passado, e em apreciação no Congresso argentino. O diploma torna também «obrigatória a oferta de Português nas escolas secundárias» pelo mesmo período. É uma medida «aguardada com grande expectativa pelas instituições de Ensino Superior que formam professores e tradutores» na Argentina, diz Sónia Mendes.

Este projecto irá juntar-se aos já existentes relativos às Escolas Bilingues e Plurilingues, aprovados em 2001 para Buenos Aires. Nas Escolas Bilingues, os estabelecimentos de ensino públicos integrantes «são obrigados a oferecer Português para além do Inglês», diz Sónia Mendes; nas Plurilingues, as escolas devem oferecer duas línguas estrangeiras de frequência obrigatória, o que se traduz em nove dos 21 estabelecimentos que integram o projecto oferecerem LP, diz a leitora.

No plano do terciário e universitário, são inúmeras as instituições que oferecem cursos superiores de Ensino e/ou Tradução ou extra-curriculares. Sónia Mendes refere que existem diversos institutos públicos e privados que oferecem cursos extra-curriculares de LP, entre os quais refere a Casa do Brasil, o Laboratório de Idiomas, o Centro Universitário de Idiomas da UBA «e, naturalmente, o Instituto Camões Buenos Aires que, ao contrário dos referidos institutos, oferece, ao público em geral, cursos de Português Europeu».

No ano lectivo de 2008, a decorrer, são ministrados dois cursos: Iniciação - Nível A1/A2 e Avançado - Nível C1/C2, «para além de aulas particulares e a empresas, estas que geralmente apresentam uma ligação económica ou de filiação a Portugal».

No vizinho Uruguai, um país bem mais pequeno, apenas a Facultad de Humanidades y Ciências de la Educación da Universidad de la Republica ensina no sector público a LP, existindo aí, para além do leitorado do IC, um leitorado do Brasil, refere Raquel Carinhas.

«O estudante de qualquer ramo universitário pode frequentar cursos livres (língua, cultura, literatura) de forma gratuita», explica. Além disso, há três anos foi criada na carreira de linguística o ramo de ‘docência do português, visando formar professores de PLE, «o que dantes não era assegurado por nenhuma instituição educativa, quer pública, quer privada», refere a leitora. No sector privado, «há três institutos de ensino do português, localizados em Montevideo: Instituto Cultural Uruguaio-Brasileiro, Club Brasil e Casa do Brasil».

 

Depois do Inglês, à frente do Francês

É evidente que todo este dinamismo não destronou o Inglês, tanto na Argentina como no Uruguai. «Continua a ser a língua mais procurada e estudada, tanto em cursos de Bacharelato e Licenciatura como em cursos extra-curriculares», admite Sónia Mendes. Exemplificando com o Instituto ‘Juan Ramón Fernández\', onde exerce, a leitora do IC revela que estudam «nos cursos superiores de Profesorado e Traductorado en Inglés 650 alunos; nos cursos superiores de estudos portugueses encontram-se a estudar 225 alunos». Mas, sublinha, «em relação a outras línguas estrangeiras, nacionalmente, o Português é a segunda língua mais ensinada/estudada, quando, há uns anos atrás, era o Francês».

No Uruguai, a situação é idêntica: «depois do Inglês, o Português é a língua mais estudada», afirma a leitora de Montevideu. «A grande maioria dos estudantes que chega ao ensino universitário já estudou 1 ou 2 anos de LP. É a língua com mais estudantes nos 18 CLE espalhados pelo país. O Italiano e o Francês, línguas associadas a uma certa tradição, têm vindo a perder terreno face àquele idioma», acrescenta.