Dia após dia, sucedem-se os eventos. Hoje é cinema, amanhã é inaugurada uma exposição e depois de amanhã tem lugar uma conferência ou é a abertura do Encontro de Teatro da Guiné-Bissau, como ocorreu a 7 de Abril último, um acontecimento que contou com a participação de 13 grupos de teatro guineenses.
Número 126 · 4 de Junho de 2008 · Suplemento do JL n.º 983, ano XXVIII
Mês após mês, o cenário é o mesmo. Em vez de artes plásticas pode ser música, em vez do início de um curso de informática, o lançamento de um livro. E o anúncio de novos eventos vai seguindo: «O Centro Cultural Português em Bissau tem o prazer de informar...».
Situado junto à Embaixada de Portugal em Bissau, o Centro Cultural Português/Instituto Camões (CCP/IC) não tem mãos a medir naquilo que só à primeira vista poderia parecer ser uma batalha stakhanovista da produtividade cultural. Uma situação só possível devido ao esforço dos seus responsáveis e ao quadro peculiar em que vive a Guiné-Bissau, dez anos depois do conflito interno que ensombrou este País de Língua Oficial Portuguesa na costa ocidental africana. O protagonismo vem do CCP vem do forte diálogo que mantém com as gentes da terra. O que explica a afirmação do responsável pela sua direcção, Frederico Silva, de que «o CCP/IC seguiu igualmente uma política activa de se assumir como Casa da Cultura da Guiné-Bissau».
Sem a solicitação local dificilmente o CCP/IC se abalançaria a organizar um autêntico «festival» de teatro, como aconteceu nas suas instalações em Janeiro de 2007, quando, no que o responsável do Centro baptizou de «mês do teatro», tiveram lugar espectáculos, uma mostra de livros e de publicações de teor dramático, um «Curso de Artes Teatrais», ministrado por formadores portugueses e guineenses, um outro de formação de actores, um terceiro de artes de rua, um atelier de formação no fabrico de fantoches, uma exposição de fotografia, o lançamento de um livro sobre teatro e várias palestras, tudo isto com recurso sobretudo a agentes culturais locais e a um punhado de portugueses. Porque a realidade da Guiné-Bissau é essa: não faltam companhias de teatro (amadoras, claro), mas faltam meios e locais para acolher as múltiplas iniciativas a que a «sociedade civil» guineense dá corpo.
Um mês para cada tema
Bissau não tem presentemente qualquer cinema ou teatro a funcionar. Há pequenos espaços expositivos, mas nenhuma biblioteca propriedade de entidades locais. Nem qualquer livraria. Existe uma editora e jornais que vivem com dificuldades. A televisão e a rádio são os principais meios de informação.
É tendo estas carências como pano de fundo que a actividade dos centros culturais estrangeiros ganha projecção. O plural é para dar conta também do centro cultural francês, o único, a par do português, com actividade regular - aulas de língua, exposições, cinema, música, etc. O centro cultural brasileiro, em pequenas instalações, tem uma actividade residual.
Ao longo de 2007 e 2008, o CCP/IC promoveu assim vários módulos de formação em teatro, cinema, marionetes, guitarra, literatura e criação literária, máscaras artesanais, fotografia e promoção cultural, com formadores oriundos, para além da Guiné-Bissau, de Portugal, Brasil, Cabo Verde, Senegal e Alemanha. O naipe de exposições realizadas foi também bastante amplo: da pintura às obras de design, dos temas históricos à tecelagem ou à caricatura. Editou ainda duas obras: um livro de contos de Marinho Pina (Guiné-Bissau) e um livro para crianças de autoras cabo-verdianas. No Centro foram igualmente lançados todos os livros recentemente editados de autores guineenses (Odete Semedo, Adulai Silá e Waldir Araújo).
2007 foi, aliás, um ano de certa forma especial na vida do CCP/IC de Bissau. Cada um dos primeiros nove meses do ano foi dedicado a uma área cultural específica. Depois do teatro, em Janeiro, seguiu-se o mês do cinema, em Fevereiro, em que para além de conferências de cineastas portugueses, se realizou o Fórum O cinema na Guiné-Bissau. Março foi o mês das Artes Plásticas, com a organização do respectivo Fórum. O Livro, a Literatura e a Edição foi o tema de Abril, em que teve lugar um atelier de criação literária com Teresa Montenegro e o Fórum A Literatura na Guiné-Bissau. O mês de Maio foi dedicado às Artes Tradicionais. Uma exposição sobre urbanismo e património marcou Junho, o mês da História, do Património e do Urbanismo. Julho trouxe a CPLP, a Lusofonia e a Língua Portuguesa, com espectáculos musicais, mostras bibliográficas e documentais, palestras, fóruns, debates e concursos escolares. O mês da Música e da Dança, em Setembro, foi assinalado por espectáculos musicais, com os principais artistas e grupos da Guiné-Bissau. E Outubro, mês da Cultura versus Desenvolvimento, acolheu um fórum com Organizações Não-Governamentais (ONG) e parceiros internacionais da Guiné-Bissau e exposições temáticas sobre a acção das ONG. Temas que marcaram cada mês, mas que estiveram longe de esgotar a actividade do CCP/IC de Bissau.
Para além de acolher as manifestações culturais desenvolvidas por entidades guineenses, bem como promover actividades culturais de criadores portugueses que se deslocam a Bissau, o CCP/IC mantém acções regulares de formação em Língua Portuguesa. Cerca de um milhar de candidatos tenta todos os anos a sua sorte para aceder às vagas disponíveis para o curso de Língua Portuguesa. Este está organizado em três módulos: níveis intermédio e avançado e para estrangeiros.
Os cursos, com a duração de 8 meses, são ministrados por professores portugueses presentes em Bissau, ao abrigo do projecto do IPAD/Ministério da Educação, denominado Programa de Apoio ao Ensino da Guiné-Bissau (PASEG), e destinam-se a profissionais da comunicação social, administração central e educação, e público em geral. Com turmas de 25 alunos por curso, são abrangidos entre 200 e 300 alunos anualmente. Os professores do PASEG também ministram aulas complementares de domínio da Língua Portuguesa aos alunos do curso da Faculdade de Direito de Bissau e aulas de aperfeiçoamento de Língua Portuguesa - Língua Segunda a estudantes, do ensino médio e universitário.
Remodelação
Entre os guineenses também suscita particular interesse a consulta de livros, revistas e publicações na biblioteca do CCP, bem como a utilização da sala de estudo e leitura das instalações. O somatório de espectadores dos eventos, de integrantes das formações e de frequentadores da sala de leitura e consulta ascende a vários milhares. Ao longo do tempo foi feita uma ampla distribuição de livros, material escolar, revistas e jornais, filmes em DVD, exposições em cartaz, brinquedos e material didáctico, etc., a um muito alargado número de escolas e outras entidades da Guiné-Bissau.
A actividade do CCP, que também se desenrola noutros locais de Bissau que não apenas as suas instalações, estende-se mesmo a outras regiões da Guiné-Bissau : Gabu, Bafatá, Canchungo, S. Vicente, Varela, Tabató, com música, teatro, cinema e distribuição de livros.
Já antes de 1998, o CCP de Bissau tinha uma forte presença no terreno. O conflito obrigou à cessação das actividades, retomadas depois das obras de recuperação das suas instalações, realizadas em 1999. Em 2005, o CCP/IC entrou em obras de remodelação e ampliação de espaços. As obras terminaram no final de Novembro de 2006, tendo o Centro reaberto as suas portas no dia 2 de Dezembro de 2006.
Presentemente, no dizer dos seus responsáveis, o Centro reúne todas as condições, quer em termos de infra-estruturas, quer em termos de equipamento informático e audiovisual (também o auditório foi totalmente reequipado com material audiovisual) para desenvolver o seu trabalho na divulgação da Língua e da Cultura Portuguesa e na cooperação com a Guiné-Bissau.
Desde a sua remodelação, o CCP/IC estabeleceu parcerias com a quase totalidade das entidades guineenses com actividade na área cultural (Editora KUSIMON, Associação UBNTU, INEP-Instituto Nacional de Pesquisa, Ministério da Cultura, ONG, etc.) e com um leque diversificado de entidades portuguesas e de Cabo Verde.
«Praticamente todos os artistas plásticos e tradicionais da Guiné, todos os grupos de teatro, todas a figuras do cinema e do vídeo, todos os meios, muitos agrupamentos de música tradicional e associações de artes tradicionais encontraram no CCP um quadro de expressão da sua actividade», declara Frederico Silva.