Ciclo Entre Partidas e Chegadas em itinerância pelos países de Língua Portuguesa a partir de Julho próximo
Fotografia, vídeo e filmes unidos pelo tema das migrações tratado por criadores portugueses. Destes elementos se fez um «ciclo» – à falta de melhor qualificação – que tem o nome Entre partidas e chegadas. Dificilmente se encontrariam elementos tão marcados na sua forma e conteúdo pela contemporaneidade. Foram eles os escolhidos para protagonizar a «semana de exposições e de projecções de filmes» da série «what NEXT?» que o Instituto Camões (IC) co-organizou e produziu em Outubro/Novembro de 2007 no Comité Económico e Social Europeu, em Bruxelas, por ocasião da Presidência Portuguesa da União Europeia (UE).
Número 127 · 2 de Julho de 2008 · Suplemento do JL n.º 985, ano XXVIII
Aeroporto de Santa Maria: área de parqueamento de aviões (série «Aproximações»), Edgar Martins 2006 |
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38 Minutos de Antropologia (Strangers to Ourselves), 2005, José Carlos Teixeira |
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Série Moving, 2006, André Cepeda. Exposição em Bruxelas |
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Com efeito, o «ciclo» compreendeu/compreende duas partes distintas: uma exposição de trabalhos de fotografia e vídeo de quatro jovens artistas plásticos portugueses, intitulada Deslocações: Quatro Perspectivas Contemporâneas Portuguesas, com curadoria de Lúcia Marques, também crítica e historiadora de Arte, e a projecção de sete filmes durante uma semana, designada Fenómenos Migratórios no Recente Documentário Português, programada por Nuno Sena, director do IndieLisboa.
A forma
A aparente diferença formal entre os dois «braços» do ciclo esconde uma unidade essencial, para além da temática comum (as migrações), traduzida no facto de ser a imagem mediada pela câmara (de filme, vídeo ou fotografia) a linguagem escolhida para dar corpo ao projecto criativo artístico ou documental. Uma opção a que não será alheio o papel central que a fotografia e o vídeo têm cada vez mais na democratização da arte e na criação de linguagens comuns numa era de globalização.
Num esclarecedor texto inédito incluído no catálogo do «ciclo» (catálogo esse, aliás, só publicado depois do seu termo em Bruxelas, o que diz alguma coisa sobre o carácter sempre inacabado dos projectos expositivos), o curador austríaco Vitus H. Weh sustenta que «para um projecto como a União Europeia, cujas origens remontam ao tempo da Guerra Fria e às regras da época, a necessidade de uma moeda universal é de importância essencial».
Ora o curador do Quartier 21 – uma estrutura vocacionada para apoiar pequenas e médias iniciativas culturais e residências na área das «artes aplicadas» contemporâneas no MuseumsQuartier de Viena – considera que «enquanto a pintura, as artes gráficas e a escultura, através dos seus estilismos, remetem sobretudo para a individualidade dos seus criadores (…), a fotografia faz mais um retrato do mundo real, em estilo de reportagem. As fotografias sugerem sempre ‘visões do mundo’ também partilhadas pelos outros. Portanto, não é de admirar que a fotografia – tal como a dança – se tenha tornado numa ‘língua franca’ do mundo globalizado».
Citando John Crary, professor de Arte e Fotografia da Universidade de Columbia, que por sua vez parafraseou o que Karl Marx disse sobre o dinheiro, Weh escreve que a fotografia «é niveladora e democratizadora, um simples sinal, uma ficção, sancionada por aquilo a que a se costuma chamar concordância humana».
O conteúdo
Se a forma é a da era da globalização, o mesmo acontece com o seu conteúdo. «Se há tópico prioritário na agenda europeia é o dos fenómenos migratórios!», diz Lúcia Marques para explicar a escolha do tema que informou o ciclo. Os números são avassaladores e o catálogo invoca-os na apresentação institucional. «Duzentos milhões de pessoas emigram anualmente por razões profissionais ou em busca de uma vida melhor»; mais de 40 milhões de pessoas são imigrantes na Europa, 18 milhões dos quais, originários de terceiros países, vivem no território da União Europeia. «Ainda para mais estávamos em pleno Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades [2007] e em vésperas da passagem para o ‘diálogo intercultural’ [2008]... Por isso achámos que fazia todo o sentido pensar o projecto a partir desse ‘chapéu’ conceptual, mantendo a possibilidade de cada um trabalhar esse grande tema de diferentes modos», acrescenta a curadora.
Série Sala Comum, Tatiana Macedo, 2005-2007. Exposição em Bruxelas |
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Na parte expositiva, Deslocações…, «os perfis artísticos escolhidos — José Carlos Teixeira (n. 1977, Porto), Tatiana Macedo (n. 1981, Lisboa), André Cepeda (n. 1976, Coimbra) e Edgar Martins (n. 1977, Évora) —, privilegiam uma geração nascida no contexto pós-25 de Abril de 1974, ou seja, em pleno processo de descolonização, e com experiências de formação e vivência geograficamente diferentes, procurando reflectir sobre a inevitabilidade da mobilidade contemporânea através de obras que abordam temáticas correlacionadas mas de modos diversificados», escreve Lúcia Marques no catálogo.
Já a parte da projecção de filmes – com as películas A Fotografia Rasgada e O País Aonde Nunca se Regressa (ambas de José Vieira, 2001 e 2006), Lisboetas (Sérgio Tréfaut, 2004-2005), À Espera da Europa (Christine Reeh, 2006), Pátria Incerta (Inês Gonçalves e Vasco Pimentel, 2006), Lusofonia, a (R)Evolução (Red Bull Music Academy, 2006) e Bien Mélanger (Nicolas Fonseca, 2006) – pretende, segundo indica Nuno Sena no mesmo catálogo, «dar a ver como a passagem de um paradigma migratório a outro tem sido tema privilegiado na mais recente produção de documentário feita por autores portugueses (sintomaticamente, alguns a viver em Portugal e outros no estrangeiro)».
São pois duas perspectivas convergentes, enunciadas na ‘língua franca’ que a produção cultural contemporânea portuguesa também fala.