Associação Filhos de Lumière
Pelo terceiro ano consecutivo, a associação cultural Filhos de Lumière, criada em 2000 no Porto por cineastas portugueses envolvidos na Capital Europeia da Cultura, dá corpo em Portugal ao projecto internacional educativo de iniciação ao cinema, em que jovens cujas idades podem oscilar entre os 8 e os 18 anos, mas na sua maioria entre os 11 e os 14, «aprendem a linguagem do cinema», trabalhando na realização de um filme de um minuto.
Número 136 · 11 de Março de 2009 · Suplemento do JL n.º 1003, ano XXVIII
A 21 de Março próximo, em Paris, na Cinemateca Francesa, entidade que lançou na década de 90 este projecto pedagógico, intitulado O Cinema, 100 anos de Juventude, reúnem-se os formadores dos quatro países (França, Espanha, Portugal e Itália) para um balanço a meio do ano escolar do trabalho em curso, lançado em Outubro, segundo Teresa Garcia, da Filhos de Lumiére e coordenadora da acção em Portugal, país de onde irão à capital francesa, com o apoio do Instituto Camões, dois cineastas (Teresa Garcia e Pierre-Marie Goulet, ambos realizadores e programadores) e quatro professores das escolas envolvidas. «Vamos mostrar o trabalho [filmado] que os alunos fizeram e vamos discutir a experiência», diz.
Em Junho, no final do ano lectivo (é a duração de cada edição) será a vez de cineastas, professores e alunos (três elementos por cada turma) e um representante da Cinemateca Portuguesa, que financia parcialmente o projecto, apresentarem na capital francesa, na sala de 400 lugares Henri Langlois, da Cinemateca Francesa, os resultados do seu trabalho - um filme colectivo de um minuto realizado por cada um dos 28 turmas/grupos participantes oriundos dos quatro países.
No programa de 2008/09, de Portugal participam alunos de quatro grupos/turmas de três escolas: Escola Básica José Afonso, em Alhos Vedros (Moita), que integra pela primeira vez o projecto, a Escola Secundária Passos Manuel, em Lisboa, que participou pela primeira vez em 2007/08, e a Escola Secundária de Serpa, a pioneira no ano de 2006/07, que entra com uma turma e o ‘clube do cinema\', cujos membros já vão no seu terceiro ano de aprendizagem. Ao todo são cerca de 70 jovens que fazem a sua iniciação ao cinema, no âmbito da chamada ‘área de projecto\' existente nos currículos escolares, refere Teresa Garcia.
Especificidades
«Este trabalho tem algumas especificidades, que são muito interessantes», sublinha a coordenadora portuguesa do projecto. A primeira, é a definição do tema a trabalhar. Este ano é a cor. No primeiro ano foi ‘a relação entre a figura e o fundo no cinema\' e no segundo ‘o ponto de vista em cinema\'. É a partir desse tema que se faz a exploração - «é um tema sobre o cinema, sobre a forma do cinema, a partir de algum material pedagógico que todos em conjunto organizam», explica Teresa Garcia.
Depois é o recurso à utilização de «fragmentos de filmes da história do cinema, desde os de Lumière até agora». «Há uma escolha da matéria, em função daquele tema. Como é que o tema é trabalhado, como é que essa relação entre a figura e o fundo é trabalhada, seja por um realizador norte-americano seja por um realizador italiano específico. [...] É uma forma de os miúdos aprenderem muito facilmente, muito rapidamente, porque é através do próprio cinema, mas do ponto de vista da sua realização, da sua construção».
A última ‘especificidade\' é a realização dos exercícios em que os jovens «põem em prática a sua visão do tema», realizando um filme de minuto. «Todos eles experimentam esse gesto criativo. E fazemos mesmo questão disso», sublinha. Todavia, «o filme final é um filme colectivo, porque é um filme que representa aquele grupo, e que vai ser apresentado em Paris».
Este modelo foi idealizado Alain Bergala, antigo editor chefe e actual colaborador dos míticos Cahiers du Cinéma, um dos maiores especialistas na obra de Jean Luc Godard, realizador, crítico e professor de cinema na Universidade Paris III e um dos grandes pedagogos da arte cinematográfica. Juntamente com Nathalie Bourgeois, da Cinemateca Francesa, Bergala idealizou e tem dirigido este projecto envolvendo escolas e profissionais do cinema, que a Cinemateca Francesa lançou para assinalar o centenário do cinema, em 1995. É Bergala, sublinha Teresa Garcia, que «coordena tudo», partindo do trabalho que faz com os outros profissionais de cinema e os professores. O cineasta francês «organiza todo o material em imagens», naquilo que ele próprio designa como «a pedagogia do fragmento».
Alain Bergala e Nathalie Bourgeois, acrescenta Teresa Garcia, «chegaram à conclusão de que aquilo [a rodagem pelos jovens dos filmes de um minuto] era o básico para aprender o que é o cinema. Todo o trabalho sobre cinema estava ali!» Este é um elemento que Teresa Garcia considera «uma coisa completamente nova» no ensino/aprendizagem do cinema.
O trabalho didáctico de Bergala na área do cinema foi assim simultaneamente o inspirador e a referência escolhida pelos cineastas portugueses que formaram a Filhos de Lumière, quando em 2000 criaram esta associação que se dedica a «iniciar ao cinema, como forma de expressão artística».
O convite
O «desejo de trabalhar com miúdos, de fazer um trabalho de iniciação ao cinema», esse, despontara já anteriormente em Teresa Garcia e Pierre-Marie Goulet (que foram responsáveis pelo ciclo O Olhar de Ulisses para o Porto 2001), quando em 1996 viram na Cinemateca Portuguesa o filme Jeunes Lumières (1995), montado por Nathalie Bourgeois com a participação de Bergala.
Na origem da película, que teve antestreia em Cannes, estavam 60 filmes de um minuto, seleccionados entre 360 rodados por jovens do projecto O Cinema, 100 anos de Juventude. «Foi uma experiência fabulosa», afirma Teresa Garcia, que ficou «muito impressionada» com o filme. «Fiquei com a ideia de que se um dia trabalhasse com miúdos gostava de fazer aquilo com eles».
A ocasião surgiu quando ambos estiveram (entre 1999 e 2001) no Porto 2001. «Propusemos no departamento [de cinema] que se fizesse um trabalho com miúdos para além do trabalho com as universidades, com as escolas de audiovisual», conta Teresa Garcia. E assim nasceu a associação Filhos de Lumière, com os cineastas Regina Guimarães e Saguenail, que lançou oficinas de iniciação ao cinema, designadas por O Primeiro Olhar.
Nestas oficinas, dirigidas a jovens, com a duração de 50 horas e normalmente intensivas, desenvolvidas há já vários anos pela Filhos de Lumière de norte a sul do país, na maior parte dos casos com o apoio das câmaras municipais, os «miúdos [...] aprendem a linguagem do cinema, vêem filmes e depois começam a construir o seu próprio filme», que obedece a todos os requisitos de uma rodagem: «eles inventam, imaginam; vêem espaços e decors, criam uma pequena história e depois trabalham com uma equipa a sério, isto é, com um director de fotografia, um engenheiro de som, um realizador, uma pessoa de produção. E depois de filmado, trabalham na montagem, na parte final, com um montador. Não só eles têm o contacto com os profissionais de cinema, [...] como com o cinema propriamente dito e o seu próprio trabalho: os filmes. No final, sempre fez parte deste trabalho uma apresentação numa sala de cinema. Sempre», razão pela qual estas acções têm sempre um outro parceiro institucional, que normalmente faculta o local de projecção.
«A relação entre os miúdos e a sala é uma relação fundamental», considera Teresa Garcia, que explica a mudança da base da associação do Porto para Lisboa com a indisponibilidade entretanto surgida dos departamentos culturais e dos equipamentos culturais na cidade nortenha, nomeadamente salas, embora a associação ainda mantenha em Serralves semestralmente a programação O Sabor do Cinema, dirigida a jovens e adultos.
Uma vez que se inspirava na plataforma pedagógica de Bergala e Bourgeois, a Filhos de Lumière entrou em contacto com eles, mostrando o trabalho que era feito pela associação em Portugal. «Foi uma coisa que os tocou, porque, de repente, eles sentem que num outro país, há uma experiência muito semelhante à deles», refere Teresa Garcia.
O convite para participarem no projecto surgiu assim, naturalmente, em 2006. Volvidas duas participações e estando em curso a terceira, Teresa Garcia admite que «tem sido muito difícil encontrar um sistema de financiamento» de um projecto que tem poucos apoios e que é pela sua natureza - nomeadamente pelo recurso a meios audiovisuais - dispendioso.