II Encontro de Teatro dos Leitorados do Instituto Camões
Vieram da Europa Central e de Leste, de Belgrado, Budapeste, Varsóvia, Zagreb e Colónia. O teatro surge como uma actividade natural para estes jovens universitários que estudam a Língua e a Cultura Portuguesa em escolas superiores dos seus países. Chegado o Verão, foi altura dos grupos de teatro que integram, promovidos pelos leitorados do Instituto Camões (IC) nos respectivos países, se reunirem em Portugal e mostrarem do que são capazes... em Português.
Número 128 · 30 de Julho de 2008 · Suplemento do JL n.º 987, ano XXVIII
O II Encontro de Teatro dos Leitorados do Instituto Camões, que teve lugar entre 21 e 25 de Julho, no Centro de Experimentação Artística/Fábrica da Pólvora, em Barcarena, Oeiras, reuniu cerca de 60 aprendentes de Português, que ensaiaram e depois apresentaram os seus espectáculos com recurso à Língua Portuguesa.
A realização do encontro de 2008 contou com o apoio da Câmara Municipal de Oeiras, que acolheu a iniciativa e os participantes.
A apresentação diária dos espectáculos foi acompanhada pela realização de duas oficinas de trabalho sobre Voz e Elocução (6h), ministrada por Luís Madureira, cantor e professor na Escola Superior de Música de Lisboa (Ramo de Canto), e sobre Dramaturgia Portuguesa Contemporânea (6h), por Rui Pina Coelho, docente na Escola Superior de Teatro e Cinema, a par de um programa de visitas culturais e de bastante convívio, possibilitado pelo alojamento conjunto na Pousada da Juventude de Oeiras.
Se uma das companhias já tinha um estatuto de quase «veterania» - o Grupo Pisca-Pisca, de Varsóvia (Polónia), criado em 1997 -, outra só surgiu este ano - o Teatro da Cidade Branca, que, como o seu nome indica, explicam os seus membros, vem de Belgrado (bel = branca e grad = cidade), a capital da Sérvia. Outros grupos, como o Lusco-Fusco, de Zagreb (Croácia), Rei Rudolfo, de Budapeste (Hungria), e Lusotaque, de Colónia (Alemanha), foram fundados mais recentemente, o primeiro em 2005 e os outros dois em 2006, mesmo a tempo de participarem no I Encontro de Teatro dos Leitorados do IC, em 2007, cujo «sucesso» foi determinante para a reedição do evento este ano.
«Se no I Encontro os resultados não deixaram de ser, a vários níveis, surpreendentes, talvez a sua marca mais profunda se tenha revelado na utilização da Língua Portuguesa como forma de comunicação verbal entre jovens de países tão distintos como a Croácia, a Hungria ou a República Checa», explicaram os organizadores do evento.
Partindo dos textos literários
O Teatro da Cidade Branca, composto por três jovens actrizes (Ana Đorđević, Ana Lukić e Anja Calić) e uma equipa técnica de mais quatro jovens, apresentou, encenado pela leitora Joana Câmara, da Universidade de Belgrado, As três pessoas ou o senhor Valéry dizia, baseado na obra de Gonçalo M. Tavares O Senhor Valéry (2002).
«Tendo como principal objectivo a adaptação de textos de autores lusófonos, o grupo privilegia a comunicação da palavra, sem, porém, descurar um trabalho mais visual e corporal», afirmaram.
Na peça que representaram, «três mulheres relatam alguns episódios da vida do errante e carismático senhor Valéry», partindo da frase em que o escritor português define as três pessoas que o Senhor Valéry conhece ou conhecerá: o seu passado, o seu presente e, se continuasse a viver, o seu futuro. «Transformámos este acto de contar (à partida, neutral e aritmético) em gesto contaminado daquilo que o corpo e a imaginação nos foram oferecendo ao longo do processo criativo. No fundo, tão simplesmente: um comentário feminino ou travessia a três sobre o texto que elegemos e nos diverte», acrescentaram na sinopse da peça.
MacBetos foi o nome do espectáculo apresentado pelo Grupo Lusco-Fusco, nascido a «23 de Outubro de 2005, numa esquina da Vukovarska com a Savska, em Zagreb», Croácia, e já anteriormente estreado em Liubliana, na vizinha Eslovénia, segundo explicaram. «A vontade de fazer teatro em Português (e não termos mais nada que fazer!) juntou-nos e, desde então, ‘brincamos ao teatro\', escrevendo os nossos próprios textos», contaram ao fazerem a sua apresentação.
Apesar do que o nome sugere, este seu terceiro espectáculo não foi uma adaptação de Macbeth, de William Shakespeare, mas «apenas uma brincadeira com os traços de uma tribo urbana portuguesa - os Betos», em que se faz «cócegas a cada cena» à peça do dramaturgo inglês. «Estão lá os ingredientes principais - um Macbeth cheio de ambição tentando obter um papel no genérico da nova série de Morangos com Açúcar, mas em forma de Beta...e uma Lady Macbeth transformada em Beto, engenhosamente convincente e maquiavélico na criação de estratégias que ajudem a sua Betinha a conseguir o papel. As três bruxas, transfiguradas em seguranças do Shopping da Linha, ajudam a explicar aquilo que não se compreende, por meio de profecias, visões e total omnisciência, alimentando uma promessa de sucesso. A ambição faz o resto!»
De Budapeste, o Grupo de Teatro Rei Rudolfo, que em 2007 exibiu em Lisboa no I Encontro a peça Portugal, de Zoltán Egressy, depois apresentada na Hungria em Pécs (Novembro 2007) e em Budapeste (Fevereiro e Maio 2008), trouxe agora em estreia Bom Quixote - adaptação de Világjobbító de István Tasnádi.
Passada na actualidade em Budapeste, a peça conta a história Kriston Géza - um ex-bibliotecário desempregado preso, que «enfrenta moinhos de vento urbanos». «O seu companheiro de cela - reincidente nas cadeias por delitos menores e leves fraudes - acompanha-o neste périplo, abrindo caminho com mil estratagemas. Dulcineia, ou melhor, Maria é uma funcionária pública que faz publicidade para ganhar mais algum dinheiro, que lhe falta. Nas ruas da cidade, os dois amigos cruzam-se com as figuras que a habitam: vagabundos, polícias, homens do lixo, prostitutas acompanhadas, cabeleireiros...», podia ler-se na sinopse.
A tradução, adaptação e encenação da peça foi um trabalho colectivo da companhia, tendo a direcção de actores estado a cargo de Dóra Nagy e Clara Riso, a leitora de Língua e Cultura Portuguesa na Universidade Eötvös Loránd (ELTE), e na Universidade de Ciências Económicas e Administração, ambas em Budapeste.
«O que sabem os homens sobre as mulheres?»
Conversas de Mulheres
foi a peça que o Grupo Pisca-Pisca de Varsóvia - sem dúvida o mais numeroso de todos, com as suas 15 actrizes - trouxe à Fábrica da Pólvora. Escrito por José Carlos Dias, leitor no Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da Universidade de Varsóvia, o texto da peça gira em volta da seguinte questão: «o que sabem os homens sobre as mulheres?» O 11º espectáculo do Grupo Pisca-Pisca «finge responder a esta pergunta. É que a verdade seria algo bastante mais aborrecido e parecido com ‘absolutamente nada\'», explicava a sinopse da peça.A quarta produção do Teatro Lusotaque, da Universidade de Colónia, intitulada inQUIETudes, partiu de textos e poesias de Fernando Pessoa para tratar o tema do "Desassossego", desenvolvido em quadros acompanhados por música ao vivo.
A dramatização de textos literários marcou as anteriores produções do Grupo. «Após uma noite de sketches no Verão de 2006, a peça A Fogueira (sobre textos de Pepetela e Mia Couto), em Fevereiro de 2007, e o Paraíso (baseada na obra de Miguel Torga), no Verão de 2007, o Teatro Lusotaque apresentou, no Inverno passado, a obra Vestido de Noiva, do autor brasileiro Nelson Rodrigues», revelaram.
Fundada pela leitora do IC na Universidade de Colónia, Beatriz de Medeiros Silva, a companhia integra «entre 10 a 30 estudantes, professores e outros entusiastas do teatro», em cada semestre. «Poucos são os membros de língua materna portuguesa, cada um contribui com o seu sotaque e ideias próprias».