O Instituto Camões (IC), o Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal e a Fundação Luso-Americana (FLAD) lançaram, no dia 3 de Dezembro, na sede do IC, o projecto Lingu@e, que visa pensar a língua em termos práticos.
Número 120 · 19 de Dezembro de 2007 · Suplemento do JL n.º 971, ano XXVII
Com a criação de um portal, que se integra no Ano Europeu da Diversidade Cultural que é celebrado no próximo ano, o projecto, a funcionar em pleno no segundo semestre de 2008, promoverá um fórum de discussão sobre as dimensões políticas, diplomáticas, educativas e culturais da diversidade linguística no seio da União Europeia.
«Através de temas postos em análise por individualidades de renome ligadas à ciência política, às ciências económicas e ciências humanas abrir-se-ão novos olhares sobre o valor das línguas e sobre a dimensão externa das línguas europeias», explicou a presidente do IC, Simonetta Luz Afonso, no âmbito do protocolo assinado, na ocasião, entre este Instituto, a FLAD e o Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal.
Entre os objectivos do projecto Lingu@e está uma maior difusão em Portugal do debate europeu em torno da temática do multilinguismo e a promoção da perspectiva da língua portuguesa, nomeadamente a forma «como o português e outras línguas comunitárias globais podem ser instrumento de projecção das relações exteriores da União Europeia», referiu a presidente do IC.
Já em Bruxelas, acerca de dois meses, no âmbito do colóquio intitulado «Empresas, Línguas e Competências Interculturais», iniciativa do comissário para o Multilinguismo, Leonard Orban, através do Instituto Camões e da Presidência Portuguesa, Simonetta Luz Afonso havia deixado expressas «algumas reflexões sobre o multilinguismo, nomeadamente a sua mais valia para a criação de um mercado coeso europeu, para a participação no mercado do conhecimento e, consequentemente, no da internacionalização económica, reconhecendo também o papel inquestionável que a ligação empresa-escola, empresa-universidade deverá ter para a real promoção do multilinguismo».
Simonetta Luz Afonso referiu a importância deste «instrumento de reflexão com vista a um desenvolvimento estratégico em que a língua se afirme, simultaneamente, como veículo de identidade, desenvolvimento e competitividade».
A presidente do IC salientou ainda que o português, sendo falado «por apenas 10 milhões de pessoas na Europa, é falado por 230 milhões no mundo, sendo a terceira língua europeia mais falada internacionalmente». E acrescentou: «Hoje, a complexidade das cartografias linguísticas associadas à língua portuguesa é de facto indesmentível».
Paulo de Almeida Sande, do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu, referiu que «o Parlamento Europeu é um exemplo vivo de como é possível conciliar 23 línguas oficiais, mantendo sempre a perspectiva de que as línguas são uma riqueza extraordinária».
Almeida Sande afirmou que o portal «nasce da consciência de que muitas das discussões sobre o multilinguismo e a riqueza linguística, debatidas em seminários e encontros, acabam por perder-se». Por esse motivo, considera o portal como «um repositório de documentos e de informação, de forma a deixar rasto dessas matérias, tornar os debates perenes, para poderem ser usados como fontes».
O Portal tem como objectivo debater sete temas, cada um com um coordenador específico, a saber: António Gomes de Pinho, Presidente do Conselho de Administração da Portgás e da Fundação de Serralves, estará responsável pelo tema «Língua e Competências Profissionais. Basílio Horta, presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, coordenará o tema «Língua e Comércio Externo» e o escritor Vasco Graça Moura organizará o tema «Língua e Pensamento».
Outros coordenadores são Rui Machete, para «Língua e Governação», Rui Marques, para «Língua, Identidade e Inclusão», a deputada europeia Edite Estrela, para «Novas políticas de ensino», e Ronald Grätz, director do Goethe Institut Portugal e Presidente da EUNIC Portugal, para «Indústrias da Língua e Intercomunicação».
Rui Machete, Presidente da FLAD, sublinhou «o significado importante deste Portal, que permite pensar a língua em termos práticos» e «não apenas como a língua de Camões ou Pessoa, mas como instrumento vital na divulgação das identidades nacionais, instrumento político e económico», afirmou. Por outro lado, o Portal dará à Língua Portuguesa o estatuto correspondente ao seu número de falantes no mundo.
Para Rui Marques, «a afirmação da diversidade cultural, da qual o multilinguismo é uma das expressões, é fundamental para os tempos turbulentos que vivemos». O Alto-comissário para a Imigração e o Diálogo Intercultural acredita, assim, que «só poderemos alcançar níveis superiores de unidade, de integração e de convivência pacífica na medida em que respeitarmos a diversidade cultural, da qual a diversidade linguística é uma das principais expressões». Nesse sentido, considera a iniciativa «particularmente oportuna».
No contexto do dossier sobre o multilinguismo, surgiu o desafio de criar \'textos\' sobre a Língua Portuguesa, desafio este que o Instituto Camões fez ao Programa Independente de Estudos das Artes Visuais da Escola Maumaus.
Os 16 artistas participantes do Programa, oriundos de Portugal, da Dinamarca, do Japão e de França, dedicaram-se a uma intensa pesquisa sobre o fenómeno da língua, que resultou na exposição «Tudo menos a Palavra?».
Simonetta Luz Afonso resume, desta forma, o propósito desta mostra: «Com este repto que lançámos sobre a língua, os artistas fizeram várias instalações, onde trataram, à sua maneira, a língua. É importante cruzarmos mundos, abrir os problemas da língua e as questões da língua a outros grupos que vão pensá-la e vão materializá-la». E finaliza: «É uma forma de aproximar as pessoas em torno das questões da língua e da sua pertinência neste mundo da comunicação».
«A exposição propõe-nos uma leitura que parte da organização de significantes formulados pelas peças de arte», como explica Jürgen Bock, curador da exposição. «Os múltiplos significados e pensamentos gerados pelas peças estão por descobrir e o espectador é convidado a participar activamente, desafiado pelas suas próprias associações e conhecimentos sobre a língua», atenta o curador.
Por intermédio do vídeo, do áudio, da banda desenhada, do desenho, da instalação e da fotografia, a exposição «Tudo menos a Palavra?» oferece-se, assim, como um lugar entre os significantes formulados pelos artistas e os múltiplos imaginários de cada um de nós, reconhecendo a todos a autoria da própria Língua como falantes, ouvintes, leitores ou escritores em simultâneo.
O curador da mostra reconhece a dificuldade de trabalhar a língua a partir das artes visuais: «Existem as artes literárias como existem as artes visuais, um tema que tem uma complexidade enorme, onde existe o grande risco de entrar nos trabalhos mais literários. Tivemos essa questão em conta e procurámos fazer nas artes visuais, o que não é possível fazer nas artes literárias».
Os artistas escrutinaram a Língua Portuguesa de hoje e perspectivaram-na no tempo, pois as suas constantes mutações reflectem a nossa história e fornecem a possibilidade de uma maior compreensão dos assuntos sociais e políticos actuais. Vítor Reis debruçou-se sobre a (im)possibilidade da museologia de qualquer língua, trabalhando a semiótica, a imagem e a linguagem. Carlos Carrilho e Noëlle Georg ponderaram sobre a geografia e os limites da língua, e Patrícia Leal e Mónica Gomes relacionaram a linguagem cinematográfica com a escrita. Yasuto Masumoto dedicou-se ao estudo da imagem e do texto como meio de comunicação. A instalação de Teresa Cortez versa sobre a polissemia das palavras. Tomás Colaço, por seu turno, aborda os clichés da língua portuguesa e apresenta-nos «cinco imagens que foram feitas a partir da casa do Instituto Camões, que contêm frases exemplo do acordo ortográfico». Rui Mourão empenha-se na aprendizagem da língua e Henrique Neves apresenta-nos um bem-vindo em crioulo. Ana Catarina Marto expõe frases que descrevem «vozes, entoações, expressões, tudo aquilo que se acrescenta à língua, a caligrafia, a fonética da língua».
A temática da tradução é tratada por Susana Pedrosa e Mónica Gomes. Ana Bezelga fez um trabalho intitulado «Lápis Azul», sobre a censura. Lara Morais criou «Tabu», verificando a evolução de certas palavras portuguesas, desde o século XIX até hoje. Joen P-Vedel estudou palavras novas e António Leal confrontou «o texto literário, o poema, mais concretamente O Mostrengo, do livro Mensagem, de Fernando Pessoa, com o texto utilizado nas mensagens escritas de telemóvel».«Tudo menos a Palavra» trata deste modo «questões múltiplas, pontos de partida, pois cada uma das peças procura dar novas perspectivas e permitir experiências que só em parte podemos abraçar com a Língua - para o que resta de inexprimível, a palavra é limitada e está em constante mudança», conclui Jürgen Bock.