Vemos as imagens de promoção no ‘Youtube’. De imediato fica a sensação de um ambiente de grande violência ‘fÃsica’ e verbal. Mas Ana Cristina Câmara, autora de La Jaula, a peça que a companhia luso-espanhola BlaStages apresenta na VII Mostra Portuguesa em Espanha, diz que até não é bem assim... «Ao longo dos ensaios descobri que La Jaula tem pouco de dark side [lado escuro]. Por vezes até pode ser bastante soft [suave], comparada com a realidade», garante esta actriz madeirense a viver em Madrid.
«O ser humano pode ser terrivelmente cruel e manipulador, e perder facilmente a fronteira entre a violência e o prazer. La Jaula pretende questionar as origens de determinados impulsos e hábitos. Mas acima de tudo este é um thriller em tempo real que quer ser polémico pelas suas múltiplas interpretações, onde o espectador se sentirá suficientemente desconfortável para querer continuar agarrado à cadeira», assim explica Ana Cristina Câmara as intenções da peça que escreveu para a companhia de que é directora artÃstica, a BlaStages, um grupo apresentado como o ‘braço’ teatral da Blablabla Media, de Filipe Araújo e Carlos Isaac, produtora audiovisual «de bandeira portuguesa e espÃrito global».
A peça, que estreia a 6 e 7 de Novembro na Casa de América, em Madrid, conta a história de dois jovens que deixam uma festa nocturna «para procurar um pouco de intimidade», relata a sinopse. «A inércia do desejo leva-os a um sótão escuro, uma representação turbulenta do mundo onde medirão as suas forças contra o medo, a manipulação e a violência, e se defrontarão, como nunca, a crueldade do jogo entre a vida e a morte», acrescenta o texto que, não poupando nas palavras, fala de «realismo feroz», «situações-limite», «horror do desconhecido» e «sobreviver a uma noite que mudará as suas vidas para sempre».
Para Marco António Gonzalez, encenador da peça, La Jaula «aprofunda esses medos ocultos que todos temos, que nos fazem converter a certa altura em algo que não desejamos ser». «É um texto que nos fala um pouco sobre a repressão, sobre o medo e, provavelmente, sobre a capacidade de incomunicação de um ser humano», acrescenta.
Esta ‘descida aos infernos’ não impede Ana Cristina Câmara de deixar uma mensagem moderadamente optimista. «Não acredito que estejamos condenados à incomunicabilidade», diz. «O maior risco» é «perder a nossa humanidade e deixarmo-nos conquistar pela bestialidade», frisa Ana Cristina Câmara, que se diplomou em Teatro e Interpretação na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, onde depois se licenciou em Teatro para a Educação.
Três actores – Pablo de la Chica, José Ciria e a própria autora – dão corpo a esta primeira produção da BlaStages, companhia que no dizer de Ana Cristina Câmara «surge como resposta a um desejo comum de criação de um projecto artÃstico de cooperação internacional focado nas artes cénicas – teatro. Nesta primeira fase é uma plataforma teatral de criações originais, de diferentes autores, actores, encenadores e criativos de Portugal e Espanha».
Porquê Espanha? Em primeiro lugar, porque sair do paÃs «está de alguma maneira implÃcita no sentimento de ser português», depois porque «estamos num momento de fusão e de criação de novas sociedades» e por último porque Ana Cristina Câmara já tinha realizado projectos no exterior – Brasil e Bósnia-Herzegovina – que a tinham marcado muito. «O bom de estar noutro paÃs é poder conjugar uma série de energias e influências. E isso afecta, de forma recÃproca, todas as áreas de criação».
Encarte Camões no JL n.º 144
Suplemento da edição n.º 1019, de 21 de outubro a 3 de novembro de 2009, do JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias