Gilda Lopes Encarnação admite que Saramago tenha feito mais investigação para o livro, mas não está segura disso. «Já li o livro e há pormenores que ou serão absolutamente ficção - muita coisa será ficção - ou resultarão de outro tipo de investigação, porque não estão contidos» na documentação que recolheu na Áustria e enviou a José Saramago em duas ocasiões (v. artigo principal)
Número 134 · 14 de Janeiro de 2009 · Suplemento do JL n.º 999, ano XXVIII
«O facto histórico, em meu entender, é a moldura. Agora, o preenchimento do cenário, tudo o que está lá dentro, a paisagem, é ficção», diz a leitora do Instituto Camões na Universidade de Salzburgo entre 1997 e 2003.
Todavia Gilda Lopes Encarnação reconhece no texto do escritor um ou outro episódio referido pelas fontes - como o da menina de cinco anos salva no Graben, uma das principais praças de Viena, de ser esmagada pelo elefante, que a agarrou com a tromba, e cujo pai, «num gesto de agradecimento», manda erguer numa casa - hoje em dia já destruída - da cidade uma estátua em grés, representando o elefante e o seu cornaca.
Sendo as crónicas «tão remotas» e tendo a informação, por vezes, «um carácter quase anedótico», é difícil discernir no que está nos documentos quais são os factos históricos «e o que já foi acrescido pela própria população ou pelos cronistas da altura», considera Gilda Lopes Encarnação.
Numa entrevista à Agência Lusa, Saramago refere que «os dados históricos eram pouquíssimos e o que há tem que ver principalmente já com o que se passou depois da chegada do elefante à Áustria. Daqui de Lisboa até lá, não se sabe o que aconteceu. Sabe-se, ou parte-se do princípio de que foi de Lisboa até Valladolid - onde o arquiduque era, desde há dois ou três anos, regente, em nome do imperador Carlos V (de quem era genro) -, que embarcou no porto da Catalunha para Génova e que tudo o que não foi esta pequena viagem de barco foi, como costumamos dizer, à pata».
Saramago apresenta o envio do elefante como um presente de casamento de D. João III ao arquiduque Maximiliano, mas não se estende sobre as considerações que poderão ter motivado o exótico presente no quadro da política externa do rei português, que historicamente ficou conhecido por se aproximar de Espanha e do Império da Europa central de Carlos V para contrabalançar as investidas inglesas e francesas contra o comércio português no Atlântico.
A peregrinação do elefante em território então sob suserania austríaca, a partir do seu desembarque em Génova, passando pelos Alpes, até Viena, teve um enorme impacto e ficou registada na documentação.
«É um facto que está muito reportado em todos os manuscritos que eu consultei e nalguma documentação pictórica», afirma a antiga docente da Universidade de Salzburgo. «A sensação era tão grande... a atracção de ver pela primeira vez um elefante», que as estalagens referidas por Saramago na narrativa da viagem, por onde a comitiva ia passando, ganhavam o nome do elefante, tal «como se vê nessas tabuletas em ferro forjado, ou inclusive em frescos e murais». Em Brixen, refere, existe um fresco enorme que representa a passagem do elefante.
«Há um rasto, bastante interessante, também documentado em livros da altura e uma medalha comemorativa que o próprio Maximiliano, arquiduque e mais tarde imperador, mandou cunhar, já em 1553», acrescenta Gilda Lopes Encarnação.
«Mesmo na cidade de Viena, a chegada foi motivo de grandes festejos na própria rua».