2009 - ‘Ano Agustina\'
O Teatro de São Carlos e o Museu Serralves, a 14 e a 16 de Março, vão acolher a antestreia portuguesa do filme A Corte do Norte, de João Botelho, que marca o arranque do ‘Ano Agustina\', uma iniciativa da Guimarães Editores, apoiada pelo Instituto Camões (IC), para assinalar a publicação da Opera Omnia de Agustina Bessa-Luís e o 55º aniversário da 1ª edição de A Sibila, talvez o romance mais conhecido da escritora nortenha.
Número 136 · 11 de Março de 2009 · Suplemento do JL n.º 1003, ano XXVIII
Apresentado ao público pela primeira vez em Setembro passado, no Festival de Cinema de Nova Iorque, a adaptação ao cinema do romance histórico de Agustina Bessa-Luís por João Botelho e José Álvaro Morais foi descrita como «magnificente» pelos organizadores do evento, que lembraram ser a autora portuguesa a preferida do cineasta Manoel de Oliveira.
The Northern Land, título com que o filme de duas horas rodado em formato digital ficou em inglês, mereceu diversas referências nos media norte-americanos da especialidade, com Michael Koretsky, um dos editores de ‘Reverse Shot\', uma revista trimestral independente de cinema, a sublinhar que o filme lembra «por vezes» Eric Rohmer, Jacques Rivette, Raul Ruiz e Guy Maddin, mas sobretudo «o conterrâneo do director e proeminente cineasta centenário Manoel de Oliveira, com quem Botelho parece partilhar a inclinação por uma espécie meta-discursiva de realização».
Até ao filme de Botelho, Oliveira fora o único a adaptar para cinema as histórias da escritora nortenha: Francisca (1981, adaptação de Fanny Owen), Vale Abraão (1993, do romance do mesmo nome), O Convento (1995, do romance Terras do Risco), Inquietude (1998, do conto A Mãe) O Princípio da Incerteza (2002, do romance do mesmo nome) e Espelho Mágico (2005, do romance A Alma dos Ricos). Oliveira foi também o único cineasta para quem Agustina escreveu especificamente - dela são os diálogos de Party (1995).
A projecção do filme de João Botelho, que será estreada a nível nacional a 19 de Março em sete salas portuguesas, três das quais em Lisboa, será acompanhada pela inauguração de uma exposição dedicada à vida e à obra de Agustina Bessa-Luís (n. 1922), encomendada pelo IC, e que tem design da autoria do mesmo João Botelho e guião da escritora Inês Pedrosa.
A exposição, composta por 20 painéis que abordam a obra e a vida de Agustina e que recuperam, nomeadamente, as capas originais de vários dos seus livros e alguns dos seus aforismos, deverá depois itinerar pelos centros culturais, centros de língua e leitorados de língua e cultura portuguesa do IC no mundo. Será acompanhada pela distribuição em formato digital do filme de João Botelho pelos pólos do IC no exterior, que também receberão o DVD da série de entrevistas, intitulada Ela por Ela, feitas em 2006 por Maria João Seixas a Agustina, com realização de Fernando Lopes, e que teve o apoio do IC.
Projectar a obra de Agustina Bessa-Luís no exterior é uma das preocupações dos organizadores do ‘Ano Agustina\'. Para o efeito um conto curto, A Torre (1989), foi traduzido por iniciativa da Guimarães Editores para inglês por Laura Bulger, professora na Universidade de Trás-os-Montes e especialista na obra de Agustina, e será disponibilizado na renovada Biblioteca Digital Camões (BDC) para descarga para leitores móveis.
Diferentemente de outros autores portugueses contemporâneos, como José Saramago ou António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís, que geriu directamente e não através da sua editora a publicação das suas obras no estrangeiro, não está tão internacionalizada como seria de esperar de uma autora com a sua projecção em Portugal. As listagens de traduções de obras de escritores portugueses inseridas no sítio do IC, mesmo que não exaustivas, dão indicações nesse sentido. Agustina foi publicada no Brasil (duas adaptação ao português do Brasil em 2004 e 2007), Alemanha, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Itália e Roménia.
Na BDC ficarão também disponíveis para leitura, mas não para descarga, as obras que a editora de Paulo Teixeira Pinto está a republicar e publicar, sob a designação de Opera Omnia, numa «versão definitiva», segundo Miguel Freitas da Costa, director editorial da Guimarães Editores. Três obras incluídas na Opera Omnia já saíram. A primeira foi A Sibila, cuja versão foi fixada para os 55 anos da sua publicação. A segunda, Longos Dias Têm Cem Anos, é uma obra saída em 1982 na Imprensa Nacional Casa da Moeda, com reflexões e comentários sobre a pintura de Maria Helena Vieira da Silva, cujo texto foi objecto de revisão e que apresenta «elementos novos em relação ao original» da correspondência trocada entre Agustina e a pintora. O título serviu em Janeiro último para identificar o colóquio internacional promovido pela Faculdade de Letras de Lisboa sobre Vieira da Silva. A terceira é Embaixada a Calígula (1961), relato de uma viagem a Itália e outros países europeus, com observações sobre os locais, as gentes e a literatura europeia.
No primeiro semestre deste ano, acrescenta Miguel Freitas da Costa, três outras obras irão integrar a Opera Omnia: a primeira é A Corte do Norte, que sairá em simultâneo com o filme; a segunda chama-se Dicionário Imperfeito e é um livro novo que reúne escritos «dispersos e ocasionais» de Agustina Bessa-Luís - artigos, crónicas, alocuções, conferências, textos de entrevistas -, agrupados por temas e apresentados por ordem alfabética. A obra foi organizada por Manuel Vieira da Cruz e Luís Abel Ferreira, também responsáveis pela fixação das obras inseridas na Opera Omnia, que alertam para o facto de o Dicionário... excluir a ficção, que já foi alvo de uma antologia (Aforismos), e de o campo de pesquisa e o tempo para a sua elaboração terem sido limitados.
A terceira obra, com o título O Chapéu das Fitas a Voar, reúne escritos autobiográficos da escritora, num total de sete, embora também inclua textos «que não são declaradamente autobiográficos», como Dentes de Rato e Vento, Areia e Amoras Bravas, no dizer do director editorial da Guimarães. Três dos textos incluídos são inéditos: A Minha Biografia (s/ data), Colóquio (1973) e Para Vila-Meã, a terra da autora. A escolha dos textos inseridos no livro coube também a Manuel Vieira da Cruz e Luís Abel Ferreira.
A disponibilização destas obras na BDC será feita à medida que elas forem reeditadas na sua versão definitiva, estando previsto que a Biblioteca Nacional acolha o seu lançamento com a participação de especialistas na obra da escritora de A Ronda da Noite, o seu último romance, publicado em 2006.
O ‘Ano Agustina\' encerra em Outubro, mês em que a escritora assinalará os 87 anos, com um fim-de-semana que lhe será dedicado no Centro Cultural de Belém. O programa não está definido ainda, mas a intenção é realizar conferências de especialistas, um ciclo de cinema com base em filmes de ficção e documentários, leituras e, eventualmente, a formação de uma comunidade de leitores das obras de Agustina.