Caça ao Leopardo, do 3º quartel do século XVII, é para João Pedro Monteiro uma das 28 peças da colecção do Museu Nacional do Azulejo a destacar na exposição O Azulejo em Portugal, de que é organizador e que está já patente em Cáceres no quadro da VII Mostra Portuguesa em Espanha.
À semelhança de toda a azulejaria figurativa, foi concebida a partir de gravuras – «suporte privilegiado para a divulgação das imagens criadas pela Europa sobre as novas realidades», segundo diz –, resultando daí, no dizer deste especialista do Museu do Azulejo, um «exemplo paradigmático» da capacidade portuguesa de adaptar e retrabalhar os modelos fornecidos.
Na introdução do catálogo da exposição, a directora do Museu Nacional do Azulejo, Maria Antónia Pinto de Matos explica que, depois de na primeira metade do século XVI se importarem de Sevilha técnicas e geometrismos de inspiração islâmica, «a difusão da técnica de majólica ou faiança», a partir de meados desse século, «tornou possível uma paleta mais matizada e a reprodução de grande variedade de temas de inspiração clássica, religiosa, e civil», de acordo com a evolução do gosto.
Caça ao Leopardo enquadra-se bem na temática escolhida para a exposição concebida propositadamente para o público espanhol pelo Museu do Azulejo e que está patente até 26 de Novembro na Fundação Mercedes Calles y Carlos Ballestero, em Cáceres, no âmbito do festival ‘Ágora, El Debate Peninsular’, promovido pela Junta da Extremadura.
O tema da exposição é uma das características mais peculiares da azulejaria portuguesa – o ser «uma arte que espelha o encontro de culturas». Daí que três dos quatro núcleos em que está dividida se sobreponham no tempo, porque documentem, a seu modo, «cada um dos grandes encontros culturais que influenciaram o uso e a produção de azulejos em Portugal: o Encontro Peninsular [peças dos séculos XVI e XVII], Reflexos da Europa [do século XVI ao XVIII] e a Abertura ao Mundo [do século XVII ao XIX]», na expressão de João Pedro Monteiro.
Um último núcleo, intitulado Expressões Contemporâneas da Tradição, «permite documentar o trabalho e o imaginário de alguns dos mais prestigiados autores contemporâneos, através de peças que citam de forma directa, ou indirecta, uma tradição artística de cinco séculos», acrescenta este membro da equipa que gizou a exposição.
Embora o uso do azulejo tenho ocorrido noutros países, João Pedro Monteiro sublinha que «foi em Portugal que assumiu uma especial importância no contexto universal da criação artística». Por três razões: «pelo seu uso continuado ao longo de cinco séculos; pelo modo de aplicação, como elemento estruturante das arquitecturas, através de revestimentos, muitas vezes monumentais, no interior e exterior dos edifícios; e pelo modo como foi entendido enquanto suporte da renovação do gosto e de registo de imaginários, aspecto que a presente exposição pretende pôr em evidência».
O especialista rejeita que o amplo recurso ao azulejo em Portugal – alegadamente um meio ‘simples e barato de decorar e proteger construções’ - seja resultado da ‘pobreza do país’. Não explica, diz ele, «um gosto muito enraizado de utilizar revestimentos de azulejos, ao longo de cinco séculos» e esquece que «o uso do azulejo conheceu o seu apogeu no reinado de D. João V, quando a chegada do ouro do Brasil permitia custear os mais ricos edifícios barrocos».
Em seu entender, o uso do azulejo foi na realidade uma opção. «As primeiras aplicações de revestimentos parietais de azulejos, no início do século XVI, com exemplares produzidos em Sevilha […] inserem-se numa moda pelo gosto mudéjar, surgida, no reinado de D. Manuel I, como forma de marcar a diferença portuguesa perante a Europa».
Encarte Camões no JL n.º 144
Suplemento da edição n.º 1019, de 21 de outubro a 3 de novembro de 2009, do JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias