Encontro luso-espanhol de poesia
Madrid, 5 de Novembro de 2008.
19.00.
Ponto de encontro: Auditório da Biblioteca Nacional de Madrid.
Número 132 · 19 de Novembro de 2008 · Suplemento do JL n.º 995, ano XXVIII
A noite cai paulatinamente na noite fria madrilena. O trânsito está caótico e a polícia tenta desesperadamente organizar as pressas dos cidadãos anónimos ávidos de descanso. Os ponteiros do relógio vão marcando a passagem do tempo. As pessoas deambulam de passo apressado pela cidade. Os olhares já não se entrecruzam, estão ausentes e o cansaço projecta-se, reflecte-se nesses rostos perdidos sem expressão. As vozes ecoam no espaço. O ritmo acelerado do passo rompe a cadência sequenciada dos diálogos, das palavras, dos sons.
Acelero o passo. O tempo passa. Vou contra-corrente. O semáforo está vermelho para os peões. Misturo-me entre a turba de gente estática e aguardo pacientemente a mudança do sinal. É curioso observar como o frenesim citadino se vê obrigado a claudicar momentaneamente. Verde! Avançamos rapidamente, ligeiros encontrões, choques, desvios, parecemos peões numa pista de carros de choque!
Mais uma vez, acelero o passo! Cheguei!
Desvio o olhar da calçada e elevo-o ao cimo deste edifício emblemático da cidade de Madrid. Observo fugazmente esta obra do arquitecto Francisco Jareño de Alarcón, mandada construir pela Rainha D. Isabel II, para comemorar o IV aniversário do Descobrimento da América. A Biblioteca Nacional: símbolo do conhecimento, da sabedoria, da memória do que fomos, do que somos e, de certa forma, construtora do que seremos, acolhe, no âmbito da VI Mostra portuguesa, o encontro luso-espanhol de poesia.
A escolha do espaço não podia ter sido mais adequada. As palavras pululam em cada esquina deste edifício, a imaginação faz-nos deambular pela memória de todas as ilustres personagens, reais ou de ficção, que por ali passaram e passam. Palavras, frases, pensamentos, excertos de textos vagueiam agora no íntimo mais recôndito de todos nós.
Sinto-me transportar no tempo, as bibliotecas, assumo, fascinam-me! Ali estão! Os nossos poetas! Sentados na antessala do grande auditório da Biblioteca Nacional, trocam algumas palavras. Os livros, os seus livros, dançam de mão em mão. Acertam-se pormenores, definem-se leituras. Duas línguas, duas pátrias, uma mesma forma de entender a poesia.
Maria Andresen, Gastão Cruz, Luís Quintais, Fernando Beltrán, Cecília Quílez e Ignacio Elguero, dirigem-se ao palco do auditório. Uma sala cheia centra a sua atenção na leitura pausada, ritmada, por vezes, acelerada que os poetas fazem dos seus próprios poemas. A musicalidade das palavras ondeia pela sala. As emoções desprendem-se e partimos ao encontro desses outros "eu" que assomam, às vezes, em todos nós.
Palmas! De júbilo! De emoção! De sentimentos encontrados e desencontrados! Momento ideal para a troca de confidências, para deixar cair a máscara e iniciar um diálogo com o público sobre a génese da escrita poética, da temática, sobre o critério de selecção dos poemas escolhidos para este encontro, sobre o sentimento de perda ou não perante o poema traduzido.
A força da palavra! Debateu-se sobre o poder da escrita poética enquanto processo catártico das penas e perdas do poeta, do modo como as palavras o invadem e o obrigam a expelir os sentimentos, as dores que deveras sente. Falou-se também da temática não como parte integrante do processo da escrita, mas como uma preocupação/interpretação do leitor.
Foi também um momento especial para partilharmos com os poetas as suas escolhas literárias, os seus autores e as suas preferências poéticas em relação à poesia portuguesa e espanhola. Pessoa, Nuno Júdice, Cláudio Guillén, Lorca, Herberto Hélder, Eugénio de Andrade, San Juan de la Cruz, eis alguns dos poetas que marcaram o percurso literário e pessoal de outros grandes poetas.
O relógio anuncia as horas. São 21.10. A sessão termina, mas o diálogo permanece e o público aproxima-se dos seus poetas. Volteiam-nos com gestos, palavras e emoções. Se como disse Luís Quintais "a poesia é sentimento, é emoção"; então, a palavra-chave deste encontro luso-espanhol de poesia é, sem dúvida, emoção!
Filipa Mª de Paula Soares