Coexistência pacífica

Português europeu/Português brasileiro

A norma da Língua Portuguesa (LP) ensinada «em grande escala» na Argentina e no Uruguai é a norma brasileira (v. artigo «Efeito» Brasil), mas esse facto, apesar de colocar «problemas específicos» a quem na sua actividade pedagógica segue a norma europeia, no dizer de Sónia Mendes, leitora do Instituto Camões (IC) em Buenos Aires, «não constitui um obstáculo ao ensino-aprendizagem da língua ou à divulgação das culturas lusófonas».

Número 129   ·   27 de Agosto de 2008   ·   Suplemento do JL n.º 989, ano XXVIII

Coexistência pacífica
Curso de actualização, em Montevideu
A leitora do IC em Montevideu, Raquel Carinhas, vai mesmo mais longe e diz que não só a existência de duas ortografias não coloca problemas no ensino da LP, como «o facto de existirem duas normas suscita maior interesse por parte dos alunos». Estes, acrescenta, manifestam «bastante curiosidade pelas culturas lusófonas» e não só pela brasileira e entendem que «o contacto com as diferentes variedades do Português no Mundo lhes vem aumentar as suas competências em LP».

Na Argentina, o Português Europeu é ensinado nas cadeiras leccionadas e em seminários e cursos dinamizados pela leitora do IC ou organizados pelo Centro de Língua Portuguesa/IC de Buenos Aires com convidados portugueses e nos cursos de Português Europeu do IC de Buenos Aires.

Situando-se as diferenças entre as duas normas aos níveis fonológico, ortográfico e sintáctico-morfológico, Sónia Mendes afirma que, no primeiro caso, os estudantes, desde os níveis iniciais aos avançados, «não apresentam problemas de percepção» oral. E, no segundo, são introduzidos às diferenças de escrita pelos docentes que leccionam nos cursos de Profesorado e Traductorado. Quanto às diferenças sintáctico-morfológicas, a leitora distingue na norma brasileira o Português escrito do oral. «No caso brasileiro, o Português escrito aproxima-se muito do Português Europeu», considera.

 

Desdramatização

A leitora de Buenos Aires dá exemplos que «desdramatizam» a existência de duas normas. Na cadeira de Língua Portuguesa IV, por si leccionada no Instituto Superior en Lenguas Vivas ‘Juan Ramon Fernandez\' a alunos finalistas, «todo o trabalho em aula é realizado com base na norma europeia», apesar de a maioria se expressar oralmente e por escrito seguindo a norma brasileira.

Este contacto com a norma europeia é «um complemento na sua formação linguística», que os alunos apreciam, uma vez que «vêem a sua competência de compreensão oral melhorada para além de mais facilmente reconhecerem e serem capazes de explicar - aos futuros alunos - as diferenças entre as duas normas.»

Outro exemplo vem do Colégio Santa Rosa, uma escola do ensino básico de Buenos Aires, com a qual o IC iniciou projectos de intercâmbio cultural e pedagógico. «Os alunos iniciam a aprendizagem do Português com 3 anos de idade (terminando o ciclo de aprendizagem da língua aos 12 anos) e têm consciência, desde o início do percurso, da origem da LP, dos países em que esta é falada e das duas normas, em termos lexicais, sintácticos, morfológicos e ortográficos. Na oralidade, expressam-se na norma brasileira», conta Sónia Mendes.

«Poderemos dizer que as duas normas coexistem, a norma europeia, naturalmente, em minoria e que é possível ensinar LP quando falamos Português Europeu», conclui a leitora, que admite apenas «problemas» na questão fonológica «com públicos que nunca contactaram com a norma europeia». «Há que ter especial atenção, num primeiro momento, à articulação das palavras e prosódia», diz.

A questão fonológica, reconhece a leitora, leva a que o Português Europeu não seja procurado por quem deseja estudar a língua por questões laborais ligadas ao Brasil ou por quem deseje aprender a língua para mais facilmente comunicar no país.

 

Acções conjuntas com o Brasil

A existência de duas normas não representa um obstáculo a «um trabalho conjunto com portugueses, brasileiros e argentinos em prol da LP e das culturas lusófonas», considera Sónia Mendes.

«Cada vez menos o facto de o IC falar a norma europeia é um impedimento à realização de acções conjuntas com instituições ligadas ao ensino da norma brasileira ou à Embaixada do Brasil em Buenos Aires». E exemplifica com o seminário dinamizado pelo IC em torno das normas portuguesa e moçambicana para (futuros) professores de Português na Fundação Centro de Estudos Brasileiros (tutelada pela Embaixada do Brasil em Buenos Aires), a convite da mesma. Este mês, comemorando os 200 anos da chegada da Família Real portuguesa ao Brasil, o IC, em conjunto com a Casa do Brasil de Buenos Aires, promove uma série de acções de formação e de divulgação das culturas portuguesa e brasileira, desde seminários em torno da música contemporânea de ambos os países a ciclos de cinema.