Depois de estreada em março no Centro Cultural de Belém, o espetáculo 'A Tempestade', a segunda etapa da trilogia Shakespeare/Purcell do Teatro Praga, está de 5 a 7 de abril em França, no centro cultural MC93, de Bobigny, nos arredores de Paris.
Inspirado nos mesmos autores, o espetáculo reedita a apresentação no mesmo local, em 2012, de Sonho de Uma Noite de Verão, com base na obra homónima do dramaturgo inglês e na ‘semi-ópera’ The Fairy Queen, de Henry Purcell.
The Tempest or The Enchanted Island é o nome do libreto atribuído a Purcell - cuja autoria de algumas passagens e composições desta ópera inacabada é contestada -, «uma espécie de divertimento cómico que conheceu um grande sucesso comercial ao longo dos séculos XVII e XVII», segundo escreve no programa da peça o Teatro Praga – uma companhia que se apresenta como «um grupo de artistas em constante metamorfose», «sujeitando-se a variações imprevisíveis de si próprios» e que tem a particularidade trabalhar sem encenador e pretender sublinhar a irrepetibilidade da prática teatral.
É a partir de «versão perdida e de todos os espetáculos que existiram e não existiram» que o Teatro Praga se decidiu criar esta comédia musical e, tal como em The Fairy Queen, com «atores, músicos, cantores, videastas, artistas plásticos». Mas, desta vez não há música barroca, substituída pela música eletrónica de Xinobi e Moullinex, composta e arranjada a partir da partitura de Purcell, numa abordagem descrita como «diferente».
«Os espetáculos do [Teatro] Praga lembram-me muitas vezes os teatros de revista como os do Parque Mayer em Lisboa, que foi inaugurado em 1901», diz Patrick Sommier, diretor do MC93, entidade com um papel destacado na apresentação da cultura portuguesa em França e que, na temporada de 2011, promoveu uma homenagem e evocação de António Lobo Antunes, compreendendo a cenarização teatral de nove dos livros do escritor português.
No teatro levado à cena no Parque Mayer, «teatro pobre, simulando as riquezas», na caracterização de Sommier num texto inserido no programa do espetáculo, «mostrava-se sem pudor a crueldade do mundo. Da nobreza também». Os espetáculos desse teatro, como o «teatro di rivista» italiano, «fazem parte da profissão» e «toda agente na Europa se inspirou neles». Na «versão báquica e de feira» de Sonho de uma Noite de Verão, o Teatro Praga «ressuscitava estas imagens de Eurovisão a preto e branco, fabricando inquietantes falsificações, imagens, músicas, textos, modernidades de pacotilha», em A Tempestade explora «o que se tece entre Teatro e Poder», tema que Sommier diz «complexo».
«Este mano a mano do dramaturgo taumaturgo e do músico da corte cria uma construção apaixonante em que o teatro e a música se confrontam, se neutralizam, se completam, dando nascimento a um espetáculo estranho, profundo, desconcertante», considera Patrick Sommier, para quem o Teatro Praga «manuseia com virtuosidade a arte do escárnio colocando de passagem o teatro no seu lugar: longe, o mais longe possível do poder».
De poder - do seu exercício e do seu abandono - trata aliás O Rei Lear, que será o espetáculo que falta para completar a trilogia shakespeariana mediada por Purcell e o Teatro Praga.
A Casa da Cultura de Seine Saint-Denis, a MC93 (Maison de Culture 93 – em que o número pertence ao código postal do departamento do mesmo nome onde se situa, a norte de Paris, em Bobigny) foi criada em 1972, no quadro da descentralização cultural patrocinada pelo Estado francês e que tem o teatro como arte de eleição.