“Teorema do Silêncio” de Caplan Neves é a peça a estrear no dia 25 de maio, pelas 21h30, no auditório do Instituto Camões - Centro Cultural Português - Polo do Mindelo, cuja encenação, cenografia e direção artística pertence a João Branco, com interpretação de Fonseca Soares e de Janaina Alves.
Trata-se da 47ª Produção Teatral do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo (GTCCPM/IC), grupo que nasceu em 1993 e que é considerado o impulsionador de um teatro novo em Cabo Verde, sendo responsável, pelo seu exemplo e pela formação de novos autores, pelo surgimento de uma dinâmica teatral nunca antes alcançada naquele país.
Sobre a peça em estreia deixemos falar o seu autor: “Suponhamos que eu quebro um vaso e me silencio quando me perguntam pelo culpado. Talvez me olhem nos olhos enquanto me questionam, mas ainda assim não me surpreendem: há um espaço dentro de mim que lhes é inacessível, irreparavelmente protegido, irremediavelmente meu. Se por alguma razão (medo, vergonha, conveniência) me abstenho de o revelar, este meu segredo ficará para sempre guardado neste espaço imenso de segurança e definitiva solidão. Suponhamos no entanto que o valioso vaso está guardado neste espaço e que é quebrado por alguém ligado a mim através de um tão intenso liame de autoridade, confiança e afeto que impede que o denuncie. Este espaço seguro permanecerá assim protegido por uma barreira de silêncio que abrigará para sempre os destroços em mim. Se só eu posso validar esta experiência, o que a confirma como real?
Como comunicá-la realisticamente para os outros se me escapa a natureza dos danos e a forma das cicatrizes invisíveis? Para quem comunicá-la se comunica-la é atravessar indefinidas torres de tabus culturais e pactos familiares e sociais de silêncio sobre um assunto proibido? Se só a minha palavra pode romper este silêncio, que valor ela tem, sendo eu mulher num mundo moldado a imagem de falos, criança num mundo ajustado à medida das gentes grandes?
Independentemente dos Ses que me impedem de falar e da cegueira dos que não podem ver os cacos dentro de mim, quanto maior o dano maior o silêncio que me é imposto, e quanto maior o silêncio maior é o dano. Este é o Teorema do Silêncio. Nem todos temos acesso à crença básica num mundo seguro e previsível, suportada sobre relações plenas, tecidas de amor e proteção, um mundo de limites definidos. Nem todos temos acesso ao direito básico ao sentimento da invulnerabilidade.
O Teorema do Silêncio, um texto escrito para e no processo de ser representado (eminentemente coletivo, embora apareça assinada em meu nome), resulta acima de tudo de um desafio de João (a quem agradeço um crédito maior do que talvez prometa a minha alma humana). O tema: o abuso sexual de menores. Este não é um assunto onde se possa ser neutro. Aliás a neutralidade humana é provavelmente impossível. E porque compromisso em arte não é sinónimo de panfletarismo, o que pretendemos é um objeto genuinamente artístico, que aborde objetivamente o silêncio sobre a violência, que fale de abuso e de morte (da alma e do corpo) como coisas reais e comuns, que promova o direito à recusa a toda a espécie de manipulações corporais e espirituais invasivas, que clame por uma justiça que reconheça a violência enquanto tal, que negue a violência e a força do sofrimento como sucedâneo social, que desenrole o maldito enredo do silêncio.”. Caplan Neves