A Coreia do Sul não é em terra incógnita para o cinema português, onde vai estar de novo em destaque entre 8 de maio e 2 de junho. Desta vez, trata-se de uma retrospetiva de João César Monteiro (1939-2003), quando se assinalam os 10 anos da sua morte.
Nos últimos 4 anos, nomes como o do próprio César Monteiro, de Manoel de Oliveira, Paulo Rocha, Fernando Lopes, António Reis, António Campos, António da Cunha Telles, Rui Simões, Margarida Gil, João Botelho, João Canijo, Pedro Costa, Rita Azevedo Gomes, Edgar Pêra, João Pedro Rodrigues (e João Rui Guerra da Mata), Miguel Gomes, João Nicolau, João Salavisa, Gabriel Abrantes e de João Tabarra têm sido presença regular em festivais e em programações especiais naquele país asiático.
Por detrás tem estado a embaixada de Portugal em Seul e o seu secretário, Paulo Lopes Graça, que, com Yoo Un-Seong, antigo programador do Festival Internacional de Cinema de Jeonju e «verdadeiro perito em cinema português», no dizer do diplomata português, desenvolveu a ideia da retrospetiva integral das longas-metragens (e da média metragem Quem espera por sapatos de defunto morre descalço) de César Monteiro visando também «trazer até Seul uma programação de qualidade de cinema português, cuja divulgação na Coreia do Sul tem estado centrada nos dois principais festivais, Busan e Jeonju».
Este esforço no cinema integra-o Paulo Lopes Graça numa «visão mais geral» da Embaixada e do Camões, IP, abarcando literatura, música, artes visuais, dança e arquitetura. «O que temos ambicionado - o tempo o dirá se com sucesso - é centrar atenções na produção cultural contemporânea, procurando facilitar o contacto com o que têm sido as diferentes respostas, em Portugal e na Coreia, a um percurso social e político nas últimas quatro décadas dos dois países, que tem mais paralelos do que a distância pareceria sugerir: a experiência da transição democrática; a mesma tentação, a dada altura, de abraçar a pós-modernidade sem ter existido uma verdadeira modernidade; o crescimento económico e os seus severos soluços; a questão identitária; a interrogação sobre o passado e para que passado devemos olhar na definição de um país - o que, lá está, torna muito pertinente o cinema português, do 'novo cinema' aos anos 80; o lugar ou lugares da tradição...». Este investimento tem mostrado resultados positivos até agora, porque tem aumentado o número de iniciativas e de convites a artistas portugueses na Coreia do Sul.
Embora César Monteiro já seja conhecido dos cinéfilos coreanos, a retrospetiva - acredita Paulo Lopes Graça - «irá gerar bastante expectativa, permitindo finalmente um contacto muito amplo, e devidamente contextualizado, com a publicação de um catálogo e com conferências», com a obra do realizador português.
«Liberdade narrativa»
Do trabalho de programação da retrospetiva saiu igualmente a decisão de aproveitar a oportunidade para a acompanhar por um conjunto de filmes que, não assumindo expressamente as influências de Monteiro, Paulo Lopes Graça acredita serem «bons exemplos do que foi feito no espaço de liberdade narrativa e classicismo subversivo que Monteiro abriu e expandiu no cinema português» e, assim, fornecer «algumas 'pistas' sobre a cinematografia portuguesa contemporânea». Para além das obras de João César Monteiro, serão projetados filmes de Margarida Gil, Pedro Costa, João Pedro Rodrigues, Miguel Gomes e João Tabarra, que é,. , na opinião de Paulo Lopes Graça, que hesita em chamar-lhe realizador com receio de o ofender, um herdeiro de Monteiro no espírito crítico desassombrado, na partilha de referências, na erudição e no «autor-personagem. Assim, pela segunda vez obras de Tabarra (Sea C e Les Limites du Désert) serão exibidas em sala na Coreia do Sul - depois da exibição de Sea C no Festival de Cinema de Jeonju, em 2011.
Aliás, paralelamente à retrospetiva, decorrerá, com o apoio local do Moonji Cultural Institute e do Arts Council of Korea, uma oficina de trabalho de Tabarra sobre vídeo, destinado a estudantes coreanos, «demonstrador – na opinião de Paulo Lopes Graça - do impacto que aqui tiveram a exposição conjunta com Park Chankyong e a exposição A Idade das Microviagens, ambas em 2011».
Em tempos de crise não é fácil pôr de pé um projeto desta envergadura, que «envolve: a tradução para coreano de mais de 20 filmes, direitos de exibição, catálogo e divulgação», refere o diplomata. A retrospetiva vai ser acolhida pela «opção óbvia», o prestigiado Seoul Art Cinema/Seoul Cinematheque, «o principal 'arthouse cinema' de Seul».Desde o início, esta organização sem fins lucrativos e apoiada em dinheiros públicos «prestou um acolhimento entusiástico à ideia» e «mostrou também total compreensão pelas contingências da situação económica» de Portugal, diz o responsável pela ação cultural da Embaixada portuguesa em Seul. Para além dos apoios do Camões, IP, do Instituto do Cinema e Audiovisual e da Cinemateca Nacional, «uma laboriosa junção de boas vontades locais», diz, permitiram a concretização da iniciativa.