Adelaide Cristóvão, a Coordenadora do ensino português em França, faz um balanço positivo do início do ano escolar e destaca as ações de valorização do ensino da língua portuguesa, apesar das dificuldades que encontra junto de alguns diretores das escolas francesas.
Numa entrevista ao LusoJornal explicou que 89 Professores de português do Camões, IP dão aulas a mais de 13.300 alunos em França. Uma grande parte deles (mais de 9.200) está na região de Paris, os outros estão espalhados pelas várias áreas consulares em França: Lyon (2.400), Marselha(460), Bordéus(332), Tours (230), Orléans (196), Toulouse (180), Clermont-Ferrand (141), Nantes (60) e Estrasburgo(53).
Magda Borges, recentemente chegada de Portugal para reforçar a equipa da Coordenação, é a nova Adjunta da Coordenadora de ensino. “O balanço do início do ano escolar é positivo” diz Adelaide Cristóvão. “Apenas tivemos uma professora que estava muito doente e que acabou por falecer. Teve de ser feita uma contratação local para a substituir, mas o professor já está no terreno”.
Os primeiros cursos de língua e civilização portuguesa tiveram lugar em 1919, na Sorbonne e em 1920, na Universidade de Rennes. Aliás, o primeiro Leitorado de português foi criado na Sorbonne em 1930.
Mas só em 1973 é que o português é introduzido no ensino secundário francês. Dois anos depois, graças aos Acordos Bilaterais entre a França e Portugal, o Estado português começou a assegurar o ensino de português no quadro dos ELCO (Ensino da Língua e da Cultura de Origem).
No ano de 1976/77 havia 15.000 alunos a aprender português no quadro dos ELCO. No ano seguinte havia 32.668 e no ano escolar 1982/83 foi atingido o número recorde de 55.333 alunos! Desde então, tem sido uma queda impressionante e hoje há menos de 10.000 alunos a aprender português nos ELCO.
São cursos ditos “paralelos” dados fora do horário escolar do aluno, às quartas-feiras, aos sábados ou em horário pós-escolar, no fim da tarde. Em 1989 o português é introduzido no ensino primário francês (LVE), durante o horário escolar dos alunos. O número de alunos que frequentam estes cursos também tem vindo a decrescer desde 2005 mas nos últimos três anos tem-se mantido estável, com pouco mais de 3.000 alunos. “Nós estamos sempre muito preocupados com o tratamento dado pelo nosso Governo ao ensino de português no estrangeiro, mas não nos podemos esquecer que a parte francesa está muito aquém do cumprimento dos Acordos entre os dois países” diz Adelaide Cristóvão.
Barreiras francesas ao ensino de português
“Da parte francesa há o compromisso de dar continuidade aos cursos ELCO e LVE no Collège” explica Adelaide Cristóvão, “mas só há continuidade em apenas 21% das escolas”. Esta tem sido uma das principais “batalhas” da Coordenadora. “Quando os meninos aprendem português na Primária, deviam poder continuar a aprender português no Collège e no Lycée e essa é uma responsabilidade do Ministério da Educação francês mas em 79% dos casos isso não é possível”.
Ao nível central, o Ministério francês da Educação tem mostrado vontade em cumprir o Acordo que tem com Portugal, “mas o ensino em França é muito descentralizado. O peso de uma Inspeção académica é extremamente grande e ao nível do Collège e do Lycée, se o Diretor não quiser lá o português, é quase impossível de o forçar” diz a Coordenadora. E acontece que cada vez há mais Diretores de escolas que não querem o português. “Eu não posso fazer nada. Não posso falar com eles, porque o meu interlocutor é a Inspeção Académica”.
Adelaide Cristóvão deixa porém uma sugestão: “É muito importante que os pais façam listas de alunos para mostrar que há alunos suficientes para que sejam abertas turmas”. Mas essa organização tem falhado porque cada vez é mais dispersa a Comunidade e está de tal forma integrada que se torna difícil estabelecer estas listas de pressão. “O que nós queremos não é que criem turmas de português, mas sim turmas bilingues, porque depois também nos confrontamos com os pais que não querem que os filhos deixem de aprender inglês”.
Um dos grandes standarts do Ministério francês da Educação foi precisamente, em 2007, o multiculturalismo. O Ministério estabeleceu uma lista com 8 línguas que podiam ser ensinadas e uma delas era o português: alemão, inglês, árabe, espanhol, português, chinês, italiano e russo. “Os programas publicados em 2007, fixavam que o objetivo a atingir em cada ciclo era o conhecimento de uma língua e dos países que falam essa língua” explica Adelaide Cristóvão. “Primeiro ainda escondiam, mas agora já não. Dão indicações claras às escolas que o inglês é obrigatório” e as outras línguas deixam de ser ensinadas.
O caso de Beausoleil
Um dos casos mais interessantes tem sido o de Beausoleil, uma cidade que faz fronteira com o Mónaco e onde residem milhares de Portugueses. Mas os Collèges resistem à abertura de uma turma bilingue quando, dentro do estabelecimento, metade dos alunos são de origem portuguesa. Portugal ensina os meninos na escola Primária e aqui é um caso flagrante em que não há continuidade do ensino de português. “Eu sei que há aqui receios de comunitarismo” diz a Coordenadora do ensino, impotente face a tal problema. “Tem de haver uma transformação de mentalidades”.
Adelaide Cristóvão garante que tem feito pressão junto da Inspeção académica. “O próprio Inspetor geral acha este caso misterioso”, mas argumenta que “os Diretores acham que o alemão é mais prestigiante”. “Temos de mostrar que a língua portuguesa é uma língua de comunicação internacional, é uma mais-valia no currículo, é uma língua que eu não escolho apenas por razões afetivas” diz Adelaide Cristóvão.
Mas também há exemplos positivos, como por exemplo um Collège na região de Toulouse, cuja Diretora é de origem portuguesa e que contactou a Coordenação para que fossem criadas as condições de ensinar português no Primário porque ela daria continuidade no Secundário. “Imediatamente pus uma professora de Toulouse a dar aulas lá. Quando a parte francesa está motivada, podemos fazer muitas coisas” diz a Coordenadora.
A Coordenadora lembra também um outro exemplo no coração de Paris, em que, pouco a pouco, havia uma estratégia para “empurrar o português”. Já só tinham português numa ou duas turmas. “A Professora conseguiu convencer o Principal que o inglês fosse a língua viva, mas que o português fosse o ‘Projeto pedagógico’ da escola” guardando assim o ensino da língua naquele estabelecimento. Adelaide Cristóvão tem receio que os números desçam. “Neste momento estamos a encontrar subterfúgios e estratégias para que não esbarrem com o português língua viva” diz ao LusoJornal.
Secção Internacional em Nice
As Secções Internacionais são o quadro ideal para um ensino bilingue. “O objetivo é aproximar do bilinguismo perfeito” explica Adelaide Cristóvão. Este ano letivo abriu uma nova Secção Internacional em Nice, que veio juntar-se às de Paris Montaigne, Paris Balzac, Saint Germain-en-Laye, Chaville, Lyon e Grenoble.
Em Nice, trata-se de um projeto de reabilitação do centro da cidade. Das quatro escolas primárias que “alimentam” o Collège, a escola Auber passou a ensinar português. As outras ensinam italiano, árabe e russo. “É um projeto muito interessante” diz Adelaide Cristóvão. “Mas o problema está sempre na mobilização dos pais”. Graças à ação dos professores, da Mairie e das associações, a Secção Internacional pode abrir este ano - ainda não foi inaugurada - com alunos na Primária e em 6ème.
A Coordenadora conhece as dificuldades que tem tido em mobilizar os pais. “Tem sido difícil sensibilizar os pais para o percurso de excelência que representam as Secções Internacionais” confessa. Em pleno Paris, o Collège Balzac continua a ter dificuldades em recrutar alunos de 6ème e em Chaville, a Secção Internacional portuguesa esteve quase a fechar por falta de alunos. “Naquelas escolas da redondeza
havia cerca de 90 alunos luso-descendentes e depois surgiam 4 ou 5 inscrições” lamenta a Coordenadora. “Há dois anos, fiz dezenas de reuniões, nas escolas, nas associações, para poder convencer os pais, mas alguns nem vinham às reuniões”.
Mesmo assim Adelaide Cristóvão tem um pedido em curso para abrir uma Secção Internacional no Lycée de Sèvres, que dá continuidade à Secção Internacional do Collège de Chaville. “Aquele que não tem problemas de recrutamento é o Lycée de Saint Germain-en-Laye, porque tem uma reputação de mais de 40 anos” conclui.
Ensino ELCO agrada aos pais
A Coordenadora do ensino considera que os cursos ELCO agradam mais aos pais portugueses. “É um ensino pós-letivo e é mais adaptado àquele tipo de crianças. Quem inscreve os alunos nos ELCO são em geral Portugueses, mesmo se os cursos estão abertos a todos, claro. Há cada vez mais Franceses, mas ainda é residual. Por isso, as turmas são mais homogéneas”. Assim, os pais não se têm mostrado muito motivados em transformar os ELCO em LVE. “Nos LVE vamos encontrar meninos que estão numa iniciação total e absoluta, ao lado de outros que não é tanto assim. Eles têm a sensação que os filhoas não vão evoluir tanto, o que, no fundo é verdade”.
No entanto, Adelaide Cristóvão esforça-se por dizer que “os nossos professores estão preparados para gerir turmas heterogéneas. Na didática das línguas, há vários trabalhos de como gerir turmas heterogéneas, através de uma pedagogia diferenciada. Normalmente os nossos professores conseguem gerir estes casos” garante. “Não podemos é ter turmas muito grandes. Quando chegamos a 23 alunos, dividimos a turma ao meio e fazemos dois grupos”.
Barreiras francesas nos ELCO
Também no ensino dito “paralelo” – os ELCO - têm surgido cada vez mais barreiras por parte dos Diretores das escolas. “A França também atravessa problemas financeiros” lembra Adelaide Cristóvão, a recente alteração dos ritmos escolares em França também não veio facilitar o problema. Cada vez há mais Diretores que recusam que os cursos ELCO (os portugueses e os das outras línguas) tenham lugar ao sábado e à quarta feira. “Dizem que não têm meios para aquecer a escola nem têm pessoal disponível para abrir a escola nesses dias. Preferem os cursos ao fim da tarde”. E por isso, a Coordenadora do ensino confronta-se agora com um tipo de problemas que se vem agravando de ano para ano, há pelo menos três anos letivos. “Há imensos problemas” confessa ao LusoJornal.
Nestes casos, o professor é o primeiro a tentar encontrar soluções, com os Diretores das escolas. Quando não consegue, os problemas chegam à Coordenação que apenas pode ativar o diálogo com a Inspeção académica. “Estas barreiras preocupam-me mais do que as dificuldades de Portugal, que também são grandes. É evidente que passamos um período difícil, mas já depois do início do ano escolar, vimos que havia alunos suficientes numa escola e eu tive autorização de Lisboa para abrir ali um curso que não estava previsto”.
Valorização do ensino português
Na entrevista com o LusoJornal, Adelaide Cristóvão destacou muito a preocupação e o esforço muito grande da valorização do ensino de português. “Temos mostrado aos Franceses um ensino de língua com muita qualidade, que é feito com a maior seriedade, segundo o quadro europeu” e depois acrescenta que “nos ELCO somos pioneiros. Fomos os primeiros a fazer este trabalho que é reconhecido pelos Franceses e agora outras línguas tentam seguir os nossos passos”.
A Coordenadora lembrou as ações de formação e o acompanhamento dos professores, e destacou a certificação que agora é feita. “Cerca de 1.000 alunos fizeram exame de certificação, um pouco por todo o país, em sítios não muito distantes das escolas deles. Os diplomas já chegaram por Mala Diplomática e vão ser entregues dentro de pouco tempo”. A Coordenadora quer organizar cerimónias de entrega dos diplomas, em Paris e na província.
Neste momento Adelaide Cristóvão está a instruir os primeiros processos de certificação de Escolas associadas de português. “Já tivemos alguns pedidos de França” garante. Podem ser escolas de línguas em que o Camões supervisiona a parte relacionada com o ensino da língua portuguesa, ou podem ser associações com o chamado “língua de herança”. “O Camões dará apoio pedagógico, ditará normas, vai impor regras para depois, dar a certificação no fim”.
Plano de incentivo à leitura
Um plano de incentivo à leitura também está atualmente em preparação na Coordenação do ensino. “Pedimos aos professores que nos digam o que cada um está a fazer. Queremos saber tudo o que já é feito no terreno, depois criamos um plano de sensibilização para as escolas, para a família e para a Comunidade” explica Adelaide Cristóvão.
Magda Borges, a Adjunta da Coordenadora, é precisamente especializada na área de gestão de bibliotecas e de incentivo à leitura. “É um plano de incentivo à leitura que vai além das aulas e dos alunos, porque sai do ensino formal para a prática da leitura na família e na Comunidade” diz ao LusoJornal. Deste plano fazem parte as cerca de 60 bibliotecas que estão a ser distribuídas em França, pelas escolas, e os 365 contos que estão online. “Há um trabalho extremamente importante na valorização deste ensino” garante Adelaide Cristóvão. “Apesar das dificuldades, eu acredito que estamos a fazer um trabalho fundamental e de grande qualidade”.
FONTE: LusoJornal (Edição n.º 149, 13 de novembro de 2013)