5 perguntas a…
Yusufo Menezes, coordenador-geral do PAIDR/UE-ACTIVA, financiado pela UE e gerido pelo Camões, I.P. no seu Eixo 3
Com impacto nas cerca de quatro mil famílias residentes nas regiões de Bafatá, Quinara e Tombali da Guiné-Bissau, o UE-ACTIVA – Ações Coletivas Territoriais Integradas para a Valorização da Agricultura é um programa de desenvolvimento rural integrado e orientado para a agricultura, financiado pela União Europeia, que teve início em 2016 e tem como objetivo geral contribuir para o desenvolvimento rural sustentável e inclusão social na Guiné-Bissau.
O programa organiza-se em três eixos: Eixo 1 para melhor governação regional, Eixo 2 para a melhoria das condições de acesso às zonas rurais e Eixo 3, Projeto de Apoio Integrado ao Desenvolvimento Rural, cofinanciado e administrado pelo Camões, I.P., que procura a intensificação sustentável e valorização económica da produção agrícola intervindo ao nível das associações de produtores.
Outro dos marcos do projeto foi a criação do Centro de Ensino e Formação Agrícola – CEFA, a primeira escola do país no século XX com dupla valência: currículo normal e ensino técnico agrícola.
Como descreve o UE-ACTIVA e os problemas a que visa dar resposta?
O UE-ACTIVA vem responder fundamentalmente à situação de insegurança alimentar que existe sobretudo nas zonas rurais na Guiné Bissau, mais no leste e no sul, que são as áreas de intervenção do projeto, onde se nota que a insegurança alimentar e os índices de pobreza são maiores e o acesso à educação é menor. O terceiro eixo do programa, cofinanciado e administrado pelo Camões, I.P. pretende fazer face à insegurança alimentar intensificando e valorizando a produção agrícola. Tem uma forte incidência no aumento da produção e da qualidade de arroz, que tem um peso de cerca de 75% da alimentação do povo guineense.
Através da mecanização agrícola passamos de uma agricultura tradicional, basicamente só de subsistência, onde a produção anual normalmente não chega para preencher as necessidades da população durante todo o ano, para uma agricultura mais comercial em que, com recurso à mecanização, além de se conseguir fazer face às necessidades, consegue-se criar excedentes, que depois serão comercializados.
Além da insegurança alimentar, falou do acesso à educação como um problema. Como é que a alfabetização se enquadra no projeto e a quem é dirigida?
Estamos a falar do trabalho com as associações de produtores, com quem fazemos alfabetização, dirigido principalmente a mulheres já adultas. O acesso das raparigas à escola é cerca de uma vez e meia mais baixo do que o acesso dos rapazes na Guiné Bissau, em particular nas zonas rurais, pelo que uma das vertentes do projeto também pretende fazer face a esse problema. O nosso trabalho é de reforço das capacidades das associações de base, não trabalhamos diretamente com indivíduos, mas com associações de produtores. Fizemos uma forte aposta nestas associações para que os impactos do UE-ACTIVA se pudessem multiplicar mesmo depois do projeto: formações sobre gestão e associativismo, constituição legal das associações não formais, promoção da boa governação entre outros.
Dou-lhe o exemplo de uma associação que no início do projeto era um simples grupo de interesse, não estava legalizada, não tinha sequer órgãos constituídos e muito menos uma conta bancária…Com o apoio do projeto a nível da organização e também da produção agrícola, com recurso a um trator disponibilizado para o efeito, esta associação conseguiu aumentar a sua produção de tal forma que com a comercialização dos excedentes constituiu um fundo que veio mais tarde a servir para fazer reparações na escola da tabanca [aldeia] que tinha sido destruída numa tempestade na época das chuvas. As associações começam a conseguir por si próprias fazer atividades sem ter de recorrer a este ou outros projetos.
Pode dar outros exemplos de iniciativas destas associações que vão além do projeto?
Na área da educação temos uma associação de produtores que se juntaram e compraram painéis solares para poderem fazer os cursos de alfabetização durante a noite. Durante o período diurno funciona uma escola normal e durante o período noturno têm ali as aulas da alfabetização. Temos associações que reabilitaram bombas de água na tabanca: infelizmente na Guiné Bissau não há água canalizada em cada casa, na maior parte dos casos vai-se buscar a uma bomba pública e portanto quando a bomba da tabanca está avariada as pessoas tem de andar quilómetros e quilómetros.
Temos também uma associação que contratou um enfermeiro que, de duas em duas semanas, vai ver como estão as pessoas na tabanca, porque o centro de saúde é muito longe, a cerca de 15 quilómetros, com estradas muito más. Há doenças que, apesar de terem um tratamento simples, podem causar complicações graves: a malária, ou paludismo, tem uma incidência enorme na Guiné Bissau. Se for detetado numa altura precoce, se for feito o rastreio quinzenalmente, é fácil de tratar.
Quem são estas pessoas com que o projeto lida: sobretudo homens ou mulheres?
Nós trabalhamos mais na horticultura, que na Guiné Bissau é predominantemente realizada por mulheres de uma faixa etária que irá dos 16/17 aos 40/50, e na orizicultura, em que o trabalho é repartido, há atividades como a lavoura que normalmente são efetuadas pelas mulheres. A limpeza, a sementeira e a colheita vão-se repartindo entre mulheres e homens mais ou menos da mesma faixa etária.
De que forma o UE-ACTIVA procura responder aos desafios causados pelas alterações climáticas?
Naturalmente, tratando-se de um projeto de desenvolvimento rural virado para a agricultura, a preocupação com a adaptação e mitigação dos efeitos das alterações climáticas está sempre no nosso horizonte. Por um lado, as técnicas e tecnologias introduzidas, pelo projeto para a produção agrícola são “amigas do ambiente”, promovendo um equilíbrio entre as necessidades de aumentar e melhorar as produções agrícolas e a necessidade de preservar o meio ambiente.
Por outro lado, uma das grandes atividades do projeto é a distribuição massiva de fogões melhorados, que reduzem em cerca de 50% o consumo de biomassa florestal e consequentes emissões de gases de estufa. Esta medida que em paralelo serve de formação e sensibilização para a proteção ambiental junto das comunidades rurais, acaba por ter outro efeito, neste caso social, muito positivo: diminui também para cerca de metade o tempo despendido diariamente na recolha de lenha, atividade desempenhada predominantemente por mulheres e crianças.
Até ao final de 2019 foram distribuídos pelas comunidades enquadradas cerca de 1.500 fogões dos 3.000 previstos até ao final do projeto.