The Cachorro Manco Show estreia em Lisboa
The Cachorro Manco Show, o vencedor do prémio luso-brasileiro de dramaturgia ‘António José da Silva\' de 2008, promovido pela segunda vez pela Fundação Nacional das Artes (Funarte), do Brasil, e pelo Instituto Camões, estreia hoje em Lisboa, na sala estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, onde permanecerá em cena até 19 de Abril.
Número 137 · 8 de Abril de 2009 · Suplemento do JL n.º 1005, ano XXIX
Representada pela primeira vez no Rio de Janeiro em Novembro passado, a peça - um monólogo - do luso-brasileiro Fábio Mendes (n. 1976) tem interpretação de Leandro Daniel Colombo, e encenação de Moacir Chaves, responsável em 1994 pela transposição para palco, mostrada em Portugal dois anos depois, de o Sermão de quarta-feira de cinzas, do Padre António Vieira, que nos 400 anos do nascimento do jesuíta (em 2008) constituía a referência sugerida aos concorrentes ao prémio luso-brasileiro.
A peça, segundo o seu autor, «é um stand-up comedy de um cachorro» que, «apenas com um microfone», «tenta convencer a plateia de que merece ganhar abrigo e comida na casa de algum dono». Fá-lo num monólogo em que o cão/homem conta a sua história, evocando os donos que já teve e os sítios por onde andou. Dessa maneira, explica Fábio Mendes, «consigo contar a história, vários momentos da história, falando dos oprimidos, dos excluídos - são todos de uma certa maneira cachorros mancos também».
Bárbara Heliodora, uma das mais reputadas e antigas críticas teatrais do Brasil, escreveu que «o trabalho de Mendes é a reflexão de um mendigo/cachorro manco, símbolo dos pobres, ofendidos e humilhados, sobre sua condição desde sempre, com periódicas citações de Vieira - nestas, os parâmetros da igualdade, da harmonia e do bem são a norma ideal, obra de Deus, contrastando com a dura, cruel e desigual obra dos homens».
Na construção do texto da peça, as passagens dos sermões de Vieira funcionam de alguma maneira como «comentários» ao que vai sendo dito pelo homem/cão. Como refere a crítica teatral brasileira Daniele Ávila, «a relação entre texto e citação é sempre temática e o estilo das frases apresenta um contraste gritante». Na encenação de Moacir Chaves, acrescenta, «essas citações também foram marcadas pela diferença de estilo: são ditas com a carga de verdade absoluta e a retórica perfeita dos sermões, com uma dicção e entonação bem diferentes da fala do cachorro».
Este «casamento» entre Vieira e um texto que apresenta intensas marcas da contemporaneidade brasileira foi assumido por Fábio Mendes, a partir do momento em que viu os anúncios e decidiu concorrer ao Prémio Luso-Brasileiro de Dramaturgia.
Com Vieira, Fábio Mendes pôde «falar da relação do homem com deus, da mesma maneira que o cachorro se relaciona com o dono, só que é um deus presente, um deus real». Pôde ainda «falar da relação Brasil e Portugal, [que] de uma certa forma é pai e filho. E a nossa maior herança é a língua portuguesa, que nos une e que nos traz juntos».
«Quando entrou o Padre António Vieira foi perfeito. O discurso dele, apesar de ser escrito há quase quatrocentos anos, é muito contemporâneo, é muito forte. E sempre que fala desses assuntos relacionados aos índios, aos escravos, à relação com a Igreja, à relação com deus. Tudo casou muito bem, foi uma combinação muito feliz», refere.
A apresentação da peça, que além do Rio de Janeiro esteve já em Curitiba e Brasília, suscitou uma reacção positiva da crítica brasileira, a começar por Bárbara Heliodora, uma especialista em William Shakespeare e ‘papisa\' da classe, que escreve no jornal O Globo, e que é conhecida pela severidade das suas apreciações. A crítica, de 85 anos, escreveu: «É preciso reconhecer que The Cachorro Manco Show tem limitações, particularmente as de certas repetições inúteis, mas sem dúvida a obra também tem méritos, principalmente o do uso do humor na crítica social, que é bem-sucedido, dando vida ao paródico sermão do mendigo. No cômputo geral, as qualidades vencem as limitações, e o texto é interessante e relevante.»
O resultado a partir daí, refere Fábio Mendes, foram salas esgotadas. «Nós tivemos depois mais três críticas, todas críticas muito, muito boas, falando bem do texto e do actor que faz de homem/cachorro», acrescenta.
Satisfeito com a encenação de Moacir Chaves, que mereceu a Bárbara Heliodora a classificação de «simples, mas funcional», Fábio Mendes destaca a importância da escolha pelo director brasileiro de Leandro Daniel Colombo para o papel de homem/cão. O encenador, diz, percebeu que «o que era importante, era o texto e era o monólogo, então era o actor. Ele foi muito, muito feliz na escolha do actor», com quem Moacir Chaves já trabalhara anteriormente.
O autor reconhece também que para o sucesso da peça, escrita numa prosa vigorosa e sonora, contribuiu o facto de se tratar de uma «comédia dramática». «Mas como a comédia vem sempre primeiro, isso traz muito a plateia para próximo do espectáculo e do texto».
Fábio Mendes vai estar hoje na estreia no Teatro Nacional D. Maria II da sua peça The Cachorro Manco Show, a sua primeira experiência a sós de escrita teatral, entretanto publicada em Portugal pelo Instituto Camões.
Aos 32 anos (nasceu a 28 de Agosto de 1976), o autor veio conhecer a terra de que já possui a cidadania. «No ano passado me tornei cidadão português. Já tirei o meu passaporte, o meu bilhete de identidade. Assim, como o padre Vieira, sou luso-brasileiro. Sou descendente de portugueses. Meu pai, que faleceu o ano passado, conseguiu para ele [a nacionalidade portuguesa], pelo pai dele, que era português. A minha família é de Coimbra. Vai ser a minha primeira visita a Portugal depois que eu virei cidadão [português]», conta.
Durante cerca de 10 anos, Fábio Mendes, que estudou na Fundação Getúlio Vargas e no curso de Letras da Universidade de São Paulo, trabalhou como actor «nas mais prestigiadas companhias de teatro do Brasil, designadamente no Grupo Macunaíma, de Antunes Filho e Cia, e na Ópera Seca, de Gerald Thomas», reza a sua biografia.
Um homem chamado Lee foi a sua estreia como autor de teatro, ao lado de Rodrigo Pitta, mas como o próprio diz: «eu escrevo mais roteiros de cinema».
Vencedor do Concurso de Desenvolvimento de Argumentos de Longa-Metragem da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (com flyer) e do Prémio Funarte de Dramaturgia 2004, na categoria infanto-juvenil (com blog de menino), em cuja adaptação para televisão está a trabalhar, Fábio Mendes é na realidade argumentista e realizador multimédia, desenvolvendo trabalho nas áreas de cinema, televisão e internet.
Do seu currículo consta a participação na equipa que criou a série de ficção Alice para o canal HBO, escreveu um argumento para uma longa-metragem, numa versão contemporânea, do clássico "Henrique IV" de William Shakespeare, dirigiu a curta-metragem Magenta, da sua autoria, e criou, escreveu o argumento, dirigiu e produziu a série de Internet The Messenger, de 5 episódios em que, através de um documentário ficcionado, tendo em vista o mercado americano, conta a história do médium brasileiro Chico Xavier. Em 2009, filmará flyer, a sua primeira longa-metragem.
Sobre a experiência que o levou a ganhar o Prémio Luso-Brasileiro de Dramaturgia ‘António José da Silva\', Fábio Mendes é peremptório: «Correu bastante bem. Se reclamar eu sou maluco»