Exposição de João Maria Gusmão e Pedro Paiva na Nova Zelândia
Já se sabia que a obra de arte nunca é única e irrepetível. Não só pode ser reproduzida, como também recomposta, reformatada e acrescentada, ganhando novos sentidos. Por isso, enquanto são exibidas em Lisboa na Cordoaria Nacional, na exposição Abissologia: Para uma Ciência Transitória do Indiscernível, que decorre até 13 de Abril, as mesmas/outras obras são mostradas em simultâneo nos antípodas, em Wellington, Nova Zelândia, na exposição conjunta Opposite Attract, no âmbito do New Zealand International Arts Festival.Número 124 · 9 de Abril de 2008 · Suplemento do JL n.º 979, ano XXVIII
Até 20 de Abril, na Adam Gallery, da Universidade de Victoria, Wellington, a exposição Hydraulics of Solids, de João Maria Gusmão e Pedro Paiva, constituída por uma série 14 de filmes de 16 mm, interage com mais duas outras exposições de dois artistas plásticos neozelandeses - Tom Kreisler, já falecido em 2002, e Sam Morrison, um artista plástico de Auckland que apresenta «assemblagens geradoras de sons».Os filmes mudos de João Maria Gusmão e de Pedro Paiva, cuja duração oscila entre alguns segundos e alguns minutos e que «colocam, a brincar, um enigma visual e físico que testam definições e alargam a imaginação», segundo a página da exposição, são em particular confrontados com as «esculturas audíveis» de Sam Morrison.
Oito dos filmes da dupla portuguesa patentes em Wellington fazem parte da exposição da Galeria da Torre da Cordoaria Nacional, que, para além dos filmes, mostra igualmente duas instalações, uma escultura de vidro, um bronze e um «osso de baleia».
Na capital neozelandesa os oito filmes da Abissologia apresentam-se com mais seis, três já exibidos numa anterior exposição de João Maria Gusmão e Pedro Paiva, Eflúvio Magnético, e três outros, não referenciados a qualquer exposição.
O nome da instalação de João Maria Gusmão e Pedro Paiva provém de um dos filme - "Hidráulica de Sólidos (ou o homem que come pedra)" (Agosto de 2007) -, produzido durante a residência dos dois artistas no Centro Cultural de Inhotim, em Minas Gerais no Brasil, e que integra também a Abissologia.
Já Eflúvio Magnético, de 2004, partira de um texto dos dois artistas plásticos e deu depois origem a duas sequelas em 2006, sob a forma de uma Síntese, na Guarda, e de uma 2ª Parte, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, entidade responsável pela produção da exposição que os dois têm agora junto ao Tejo.
João Maria Gusmão diz que a exposição da Adam Gallery faz «uma remontagem de vários trabalhos», desenvolvendo uma «temática paralela» à da Cordoaria. No entanto, a curadora da exposição neozelandesa, Christina Barton, escreve no catálogo que estamos perante «uma nova instalação especialmente designada para a Adam Art Gallery».Esta professora de História de Arte da Universidade de Victoria e directora da Galeria põe em destaque a contradição de uma instalação que «é absolutamente contemporânea» e que, no entanto, usa recursos ultrapassados (outmoded) - película e três projectores clássicos num espaço escuro.
Nesta aparente contradição, Barton vê uma intenção deliberada da dupla portuguesa. «Gusmão e Paiva assentaram neste meio por causa da sua tenaz ligação ao ‘real\'; a sua demanda é pela ‘verdade\', e que melhor caminho para a se aproximar dela do que a via de um aparelho mecânico que a dá, como que por ‘magia\'?».
A intemporalidade e o despojamento cénico e humano destes filmes «não narrativos», que a curadora descreve como «fragmentos» ou «vinhetas», visam testar hipóteses ou atingir algum «objectivo impossível mas procurado», em linha com a busca filosófica dos seus autores, centrada na relação entre mito e ciência.
Ambos se têm concentrado na «construção de uma filosofia experimental acerca do transitório», segundo se escreve num texto não assinado na página da Galeria Zé dos Bois sobre a exposição Abissologia, com curadoria de Natxo Checa. Assim, «paralelamente à sua obra plástica, existe a produção de textos que nomeiam as articulações fundamentais do seu ideário especulativo». Não fugindo a esse desígnio, o catálogo da exposição de Wellington inclui um texto dos dois autores, com o título "A Verdade na Ficção dos Efeitos Incorpóreos e a Causalidade dos Eventos Desconexos".
«Em jogo portanto - nesta mineração das trocas férteis entre mito e ciência, narração de histórias e produção de imagens está uma discussão filosófica que é profundamente perene», considera Barton. «Gusmão e Paiva não são artistas que procuram manter-se a par do jogo da arte contemporânea; (...) Os filmes nas suas mãos servem para postular uma ideia e testar o seu valor como verdade», acrescenta.
É a primeira vez que é mostrado na Australásia, com o apoio do Instituto Camões, o trabalho destes «dois artistas emergentes, que estão a tornar-se conhecidos na Europa e na América do Norte e do Sul», segundo a página da Adam Gallery. «Os filmes de Gusmão e Paiva foram exibidos em grandes exposições internacionais, incluindo a Bienal de São Paulo de 2006 e no CCA Wattis Institute for Contemporary Art, em São Francisco, em 2007», recordam ainda os organizadores da exposição.