Exposição de Richard Câmara na Universidade Autónoma de Madrid
Tinhas um pente espanhol/ No cabello portuguez/ Mas quando te dava o sol/ Eras só quem Deus te fez
São curtas e ingénuas (às vezes nem por isso...). As cerca de quatrocentas quadras «ao gosto popular» de Fernando Pessoa, publicadas pela primeira vez postumamente, são pouco conhecidas e, segundo os especialistas, constitui um mistério a razão que terá levado o poeta a escrevê-las «nos últimos dois anos de vida, ou seja, num período de maturidade na sua escrita», lê-se numa sinopse da obra editada pela Assírio & Alvim.
Número 132 · 19 de Novembro de 2008 · Suplemento do JL n.º 995, ano XXVIII
Pois foram estas quadras que Richard Câmara escolheu para ilustrar, produzindo um conjunto de cartoons, que foi exposto em Junho deste ano em Lisboa, sob o título Pessoa POPular, na Casa Fernando Pessoa, e que agora, numa «versão revista e aumentada», no seu dizer, está patente na Universidade Autónoma de Madrid até 28 de Novembro e que depois ruma à Casa das Línguas Ibéricas da Universidade de Alcalá de Henares (1-20 de Dezembro), no âmbito da VI Mostra Portuguesa em Espanha.
Richard Câmara define-se a si próprio como «um artista visual ou um autor gráfico, cujo trabalho deambula em qualquer disciplina que tenha como base o desenho». «Essa liberdade de acção parece-me mais interessante do que querer definir-me como criador ou cingir o que faço a uma única expressão artística», diz este licenciado em Arquitectura pela Universidade Técnica de Lisboa. «Abordo qualquer projecto com a mesma curiosidade e empenho, procurando tirar o máximo partido dos materiais com que trabalho e com isso, chegar à melhor solução para o problema que se me coloca. Para esse efeito, conto à partida e sem quaisquer restrições estilísticas com a ajuda de todos os suportes e técnicas que me pareçam adequados à encomenda que tenho entre mãos».
Muitos dos seus trabalhos recorrem à técnica da «colagem digital», que define como a «manipulação e justaposição de diferentes imagens, cores e formas com vista à criação de uma nova obra. Tudo isto substituindo a tesoura e a cola, pelo scanner e os programas informáticos de edição de imagem». Mas ao rótulo de «digital» para o seu trabalho, prefere o de «experimental»: «tento sempre encontrar a técnica que melhor responde à expressão gráfica que procuro».
Expatriado em Madrid desde 2006, pelas mesmas razões «de qualquer outro emigrante» - «a busca de melhores condições para exercer a minha actividade profissional» -, Richard Câmara (n. 1973, em Bruxelas) «desenvolve desde 1995 uma intensa actividade ligada ao Desenho, à Banda Desenhada e à Ilustração», colaborando com editoras, agências de publicidade, galerias de arte e imprensa, como o Diário de Notícias, Expresso, Independente, Público, Sol e, em Espanha, o El Mundo.
Foi fora de Portugal que Richard Câmara redescobriu Pessoa. E, ao ler as quadras populares deste, reencontrou «a cumplicidade lisboeta do mês de Junho, durante o qual se sente o orgulho da cidade nas suas ruas e bairros populares. Voltei aos seus ambientes, costumes e tradições através de uma escrita que divertia de uma forma lúdica, com humor e muita ironia».
Produziu um trabalho em que, como escreveu Ana Mendes no catálogo da exposição, «a ideia de movimento e de continuidade atravessa a obra, sem que exista começo ou fim. Tanto fica em aberto o que antecede a narrativa, sujeito à imaginação do público, como aquilo que lhe sucede». No fim de contas, um modo adequado às quadras, de aparência repentista, sem um antes, nem um depois, definido, que permitem ao ilustrador estabelecer a sua própria história.
A possibilidade de voltar a mostrar Pessoa POPular «só vem confirmar a minha aposta neste projecto como uma forma de chegar a outros públicos e desenvolver um tipo de trabalho de ilustração que certamente não encontraria lugar em jornais ou editoras portugueses. Mesmo, tratando-se de um trabalho que tem como base a obra do Fernando Pessoa...», refere Câmara. O que é facto é que Richard Câmara vai reincidir. «Neste momento estou a explorar graficamente alguns dos textos que o Pessoa escreveu para o público infantil...», revela aquele que é também autor da Banda Desenhada O Capuchinho Vermelho - na versão que as crianças mais gostam...
A criação plástica não esgota a actividade do «artista visual» português. Vem regularmente a Lisboa para ministrar oficinas de trabalho no Centro de Imagem, Estudos Arte e Multimédia (CIEAM) da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa. Os temas foram «Ilustração editorial», «Livros ilustrados infantis», «Colagem digital» e «Diários gráficos», este último introduzido em conjunto com João Catarino, amigo e ilustrador.