Andrea Brandão em Viena
Define-se como uma desenhadora, mas a sua obra está muito para além do desenho. É, como muitos outros artistas plásticos contemporâneos, transdisciplinar, ou se quisermos, a transdisciplinaridade é a disciplina em si, na medida em que as instalações, em que têm lugar vários meios, e as performances constituem formas essenciais de expressão.
Número 134 · 14 de Janeiro de 2009 · Suplemento do JL n.º 999, ano XXVIII
Aos 32 anos, Andrea Brandão, licenciada em design industrial, curso avançado de Artes Plásticas no Ar.co e nomeada em 2007 para representar Portugal no Prémio da União Latina para jovens criadores, expôs de 10 a 14 de Janeiro a sua instalação Um Outro Mundo, na galeria ‘Kunstraum nr5\', em Viena, na Áustria, um país onde já se apresentou por duas vezes (nos verões de 2007 e 2008) no festival multidisciplinar Reheat (Kleylehof), no ano passado, com a performance Take A Chance On Me.
Foi aí que Gilbert Marx, o director/curador daquela galeria não comercial - que Andreia Brandão compara, pelo tipo de projectos que acolhe, à galeria ‘Empty Cube\' de Lisboa, com os seus projectos de um dia -, a conheceu e a convidou a voltar até à Europa central - agora com o apoio do Instituto Camões.
A artista plástica, que se descreve como uma coleccionadora de «curiosidades» («vou armazenando pequenas curiosidades ou pequenas vontades em mim«, diz ela), partiu de uma passagem do romance de Ítalo Calvino As Cidades Invisíveis, sobre uma urbe, cujos habitantes a constroem, mas não a habitam. «Vêem-na de fora, contemplam-na de fora».
A passagem do romance de Ítalo Calvino, com que Andrea Brandão diz identificar-se, deu de alguma forma o mote para a criação apresentada em Viena, apesar de a artista plástica referir que a sua instalação não faz qualquer referência ao romancista italiano. A ‘Kunstraum nr5\' tem a particularidade de o seu interior poder ser visto a partir de fora, pela porta. Ora, «a instalação nasceu da vontade de fazer qualquer coisa específica naquele espaço», diz Andrea Brandão, ressalvando no entanto que, «fora daquele espaço, ela [instalação] também existirá».
Composta por três elementos «de escala reduzida», a instalação, na explicação de Andrea Brandão, faz «uma tentativa de incluir o espectador na peça», pelo «movimento». «Normalmente, se uma coisa é grande, nós afastamo-nos. Se uma coisa é pequena, há um certo gesto, um certo movimento, referido ao corpo de quem observa», incluindo-o no trabalho.
Os dispositivos da instalação de Viena, que incluem a projecção de um slide em tamanho natural, umas lentes e um espelho redutor, criando um efeito de escala, como admite a artista, reforçam essa ideia de observação «de fora», «como quem espreita» sobre uma cidade, que, na realidade, não está presente. «Não se trata de reproduzir uma cidade. Dou os elementos que considerei que fossem significativos».
‘Tecla\', outra das cidades invisíveis de Ítalo Calvino, fora já tema de um primeiro trabalho da artista plástica, que no seu currículo conta com a participação em seminários e oficinas de trabalho com criadores como Laurent Simões, Sofia Neuparth e João Fiadeiro. Todavia Andrea Brandão nega que a cidade seja um tema do seu trabalho. «Eu interesso-me por coisas. [...] Eu não tenho um tema de trabalho», sublinha.
Não espanta assim que o seu trabalho tenha sido caracterizado da seguinte forma: «A sua atenção recai sobre o pequeno, o imperceptível e o privado. O seu trabalho aplica um desvio mínimo à normalidade provocando mesmo assim perspectivas radicalmente novas» - uma descrição em que a própria artista plástica se reconhece.
Como se reconhece também na apreciação do júri que a escolheu para o Prémio da União Latina, quando este afirma que o seu trabalho questiona «a noção de objecto artístico, nomeadamente a obrigatoriedade de uma sua materialização».
«Não se trata propriamente da formalização de uma coisa ad eternum, mas de qualquer coisa que subsiste no limite do desaparecimento. Isso interessa-me». É esta ideia que dá unidade à multiplicidade de expressões que a obra de Andrea Brandão assume. Essa variedade material - dança, representação, fotografia, vídeo, desenho, escultura - «é apenas a forma como se revela», diz. Quando parte para uma obra, é no próprio processo de criação que faz a escolha dos meios. «Eu mexo em vários meios porque assim acontece».