Mais de 40 mil pessoas visitaram durante três meses e meio em Berlim a exposição "Novos Mundos - Neue Welten. Portugal e a Época dos Descobrimentos", encerrada este fim-de-semana, que procurou fazer uma nova abordagem de um tema recorrente na prática expositiva portuguesa no exterior.
Número 122 · 13 de Fevereiro de 2008 · Suplemento do JL n.º 975, ano XXVII
A concepção da exposição de Berlim, que posiciona os portugueses nas origens do movimento que conduziu à "era da globalização", pertenceu ao historiador e antropólogo alemão Michael Krause - curador do evento, juntamente com o professor português Paulo Pereira -, que pretendeu tornar o evento diferente de outras exposições sobre os descobrimentos portugueses realizadas em diversas ocasiões pelo mundo.
Recorreu para isso ao conceito histórico de "longa duração", "começando o seu percurso nas heranças recebidas no território lusitano durante os séculos XIII a XIV e atingindo a desagregação do Império português na altura em que nascia uma nova Europa, já em pleno século XVII".
A exposição, que contou com o apoio do Instituto Camões, dedicou ainda especial atenção à antropologia e aos regimes de trocas e intercâmbios que decorreram da expansão portuguesa e apresentou uma síntese do "assombroso fenómeno de amplificação e descoberta do Mundo", de que o público da Europa Central tem tido, aparentemente até agora, uma percepção limitada, no dizer dos responsáveis pela exposição.
Na opinião de Paulo Pereira, o evento obteve uma "excelente reacção" do público alemão, atestado pelos números de visitantes, tanto mais que "nunca houve nenhuma exposição sobre este tema na Alemanha e o conhecimento dos descobrimentos portugueses fora da universidade é escasso".
Para mais, o curador alemão teve a preocupação de explorar a relação entre a Europa marítima das costas meridionais portuguesas e a poderosa Europa continental, evocando "o protagonismo de navegadores e homens de ciência alemães na difusão desta nova visão do mundo, que, em apenas um século, e de maneira fulminante, se apodera de todas as nações", refere Paulo Pereira.
"Este movimento entre centro e periferia, a constituição de uma cultura colonial, teve aqui a sua primeira exposição crítica, valorizada com testemunhos da magnífica produção bibliográfica germânica, a que acresce a impressionante colecção de Atlas (Ortelius, Mercator) e de publicações de ‘divulgação\', dos século XVI e XVII. Tudo isso ajuda a perceber este diálogo".
Na imprensa
A mostra de Berlim recebeu um acolhimento favorável nos media alemães, tendo merecido referências com artigos e comentários em mais de 45 publicações, entre as quais os reputados diários "Die Welt", "Die Zeit" e "Frankfurter Allgemeine Zeitung" (FAZ) e a revista "GEO".
Também a ZDF e o canal 3SAT fizerem filmagens na exposição, inaugurada a 24 de Outubro, durante a presidência portuguesa da União Europeia, que ficou instalada no Deutsches Historisches Museum (DHM - Museu de História Alemã), situado na conhecida avenida berlinense de Unter den Linden, junto à Museuminsel (a Ilha dos Museus, de Berlim), à beira do rio Spree.
Para o "Frankfurter Allgemeine", num artigo intitulado "A transitória glória do Reino Lusitano", a exposição foi "um acto de justiça histórica", ao rever a imagem que os alemães têm de um país, "que esteve muitas vezes na sombra de outras potências marítimas".
"Presentes estavam os portugueses Vasco da Gama e Bartolomeu Dias, que descobriram a ponta sul de África e, desta forma, quebraram o monopólio comercial dos Árabes e dos Venezianos, e foi Fernão de Magalhães, aliás Magellan, que fez a primeira circum-navegação. Mas o seu pioneirismo foi uma fatalidade para o poder marítimo dos portugueses", acrescenta o FAZ.
No entender do diário da capital económica da Alemanha, os objectos expostos em Berlim, vindos dos museus de Lisboa e das colecções alemãs, "falam por si mesmos: os globos, os sextantes, as cartas de navegação, os jarros de porcelana, a louça de madrepérola, os modelos de barcos e os retratos dos reis".
Na mesma linha, o diário berlinense "Der Tagesspiegel" considerou serem "elucidativos" os "fragmentos (...) das culturas estrangeiras: uma tábua oracular do Benim, enfeites de penas do Brasil, uma bacia de incenso da China". "De uma forma digna de reconhecimento, não é apenas a tomada de consciência do Novo Mundo, por parte dos europeus - de um modo algo próprio das fábulas, tal como os ‘americanos\' sem cabeça. Também se pode ver a imagem dos Europeus, vista pelos Chineses: com olhos redondos, sobrancelhas farfalhudas e enormes orelhas. Muitos destes objectos culturais constavam, no início da modernidade, das câmaras de maravilhas, os primórdios dos museus actuais".
O "Berliner Morgenpost" preferiu sublinhar o facto de a exposição se reportar a uma "época entusiasmante, em que começava a corrida das Nações, literalmente para o outro fim do mundo", um tema também escolhido pelo "Die Welt", que falou de uma "corrida em direcção à outra ponta do globo". "Durante meio século Portugal fez tocar os sinos da globalização ", acrescenta o jornal. Uma tónica também escolhida pelo "Giessner Allgemeine Zeitung", que diz terem bastado 30 anos para " Portugal mudar o mundo de forma permanente. Porque, na viragem do século XV para o Século XVI, Vasco da Gama e outros grandes navegadores trataram de dar um empurrão precoce à globalização".