Número 139 · 3 de Junho de 2009 · Suplemento do JL n.º 1009, ano XXIX
Instituto Camões
A nova lei orgânica do Instituto Camões (IC), aprovada em Conselho de Ministros e que aguarda promulgação, vai trazer alterações significativas à vida da instituição com a integração nas suas atribuições de todo o ensino do Português no estrangeiro, declarou Simonetta Luz Afonso, Presidente do IC.
A transferência representa de alguma forma o culminar de um processo iniciado há 80 anos, com a Junta de Educação Nacional, no que diz respeito à promoção e divulgação da língua portuguesa, como refere a Presidente do IC.
Todo o ensino da língua portuguesa, do pré-escolar ao superior, passa para a tutela do Instituto, que até agora tem estado vocacionado apenas para o ensino superior, seja através da sua rede leitorados, centros de língua e cátedras seja ainda pelos múltiplos protocolos com instituições de ensino superior.
Para gerir esta rede mais vasta, o IC, segundo Simonetta Luz Afonso, vai contar com um reforço de meios, nomeadamente financeiros, que virá do Ministério da Educação, onde até agora estava localizada a sede da coordenação do ensino de Português na rede do ensino não superior. Sem esses meios, sublinha, não seria possível proceder a este alargamento das competências do IC.
A passagem para o IC vai facilitar a criação de «sinergias» entre os diferentes níveis de ensino, nomeadamente em termos de recursos, refere a Presidente do IC. Agrada-lhe a possibilidade de envolver no ensino de Português no exterior novos meios, nomeadamente dos próprios sistemas educativos de outros países, como já acontece nalguns casos, aproveitando o potencial existente daqueles que se formam nos cursos de Língua Portuguesa nas universidades estrangeiras.
«Afinal, quem aprendeu francês ou inglês em Portugal, fê-lo com professores cá formados», lembra a Presidente do IC. E através da rede de leitorados e centros de língua é possível dar uma formação adequada a esses professores.
Do ponto de vista pedagógico, Simonetta Luz Afonso destaca que, coerente com essa opção, o IC privilegia na sua acção a formação em Português como língua não materna, quer em África quer na América Latina. Foi também graças à acção do IC que se criou um Diploma de Especialização em Ensino do Português Língua Estrangeira (DEEPLE), que certifica competências para ensinar o Português como Língua Estrangeira.
Aliás, a Presidente do IC sublinha que a formação de professores - e não o ensino directo de Português aos utentes finais - é a orientação permanente da instituição. É o que acontece nos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) e em Timor-Leste, locais onde o Instituto Camões tem programas específicos de apoio à formação de professores em cooperação com entidades locais, mas também no Senegal, na Argentina, no Uruguai e na Venezuela.
Simonetta Luz Afonso evoca o exemplo do que se passou com a rede de docentes no exterior no ensino superior, nos cinco anos em que já está à frente do Instituto Camões. Embora o número de leitores do IC tenha aumentado nesse período, o acentuado crescimento do total de docentes de Português no conjunto da rede fez-se sobretudo aproveitando, estimulando e apoiando as iniciativas das universidades e outras instituições no ensino da língua e cultura portuguesa. «Alargámos a partir do interesse das outras partes pelo Português» e na «reciprocidade de interesses e partilha de responsabilidades», sintetiza.
Foi assim que o IC, para além obviamente dos PALOP, focou a sua atenção nos países do MERCOSUL, onde o Português é em vários deles a primeira língua estrangeira no sistema de ensino, fornecendo materiais e apoio para a formação de professores de Português como língua segunda. Outras áreas geográficas de grande potencial de desenvolvimento, como os chamados países PECO (Europa Central e Oriental) e os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), embora não o Brasil, obviamente, foram igualmente tidas em conta.
Tudo isso com um orçamento que, sublinha a antiga comissária da Europália, praticamente não cresce desde 1998, ou seja, com um orçamento (13,64 milhões de euros em 2009) que em termos reais diminuiu. Para tal, explica, foi preciso fazer uma gestão rigorosa e criteriosa, cortando no acessório e privilegiando o essencial.
BDC, biblioteca pública
E nesse essencial não esteve e não está, no dizer de Simonetta Luz Afonso, o modelo de ensino da língua «de porta para a rua», seguido por outros instituto culturais nacionais europeus. «Não é vocação» do Instituto Camões. E mesmo que fosse, diz, isso não foi feito no momento próprio e hoje seria impossível criar uma rede com essas características. «Não haveria meios», afirma taxativa, até porque relativamente a projectos que o novo Fundo da Língua Portuguesa, gerido pelo IPAD, possa financiar, se continua a aguardar a regulamentação quanto ao modo de a ele aceder.
À inviável presença directa do IC nas capitais mundiais, Simonetta Luz Afonso prefere as possibilidades abertas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação, que têm constituído uma aposta da sua gestão à frente do ‘Camões\'. O Centro Virtual Camões (CVC), reorganizado em 2008, e a Biblioteca Digital Camões (BDC), lançada este ano, são os dois suportes dessa estratégia orientada para o utilizador.
O CVC tem alargado ao longo dos últimos anos o leque de recursos multimédia e de cursos a distância oferecidos na sua plataforma digital, que englobam não só a língua, mas também outros tópicos, como literatura, tradução, escrita criativa, cultura portuguesa contemporânea e história.
Simonetta Luz Afonso conta que a criação da BDC - que põe à disposição de estudantes e outros interessados em língua e cultura portuguesa um acervo bibliográfico básico - decorreu da constatação que fez da dificuldade em encontrar nas livrarias no estrangeiro livros portugueses e sobre cultura portuguesa. Dá mesmo como exemplo o Brasil, em que os custos de expedição e os impostos alfandegários tornam os livros portugueses demasiado caros, cenário repetido e agravado nos países africanos de língua portuguesa, devido ao baixo poder de compra da população. Daqui decorreu que o IC tenha acabado com o apoio à edição de teses e dissertações em papel e pugne pela sua inserção em formato electrónico na BDC.
Acresce que a inicial dúvida quanto à adesão das editoras ao projecto de uma biblioteca digital, devido aos problemas da pirataria e dos direitos autorais, se desfez e, hoje, o Instituto Camões já solicitou que à BDC seja atribuído o estatuto de biblioteca pública, com direito ao correspondente depósito electrónico, revelou a Presidente do IC.
A chegada ao Instituto Camões em 2004 da primeira Directora-Geral do Instituto Português de Museus, antiga administradora das exposições de ‘Lisboa, Capital Europeia da Cultura\', e ex-comissária de Portugal para a Expo 98 e para Expo 2000 (Hanôver) trouxe ainda uma viragem na orientação da política cultural do IC, dando uma nova visibilidade à arte contemporânea, quando anteriormente se advogava uma cultura «mais livresca», segundo a sua expressão. «No exterior, toda a gente conhece o Portugal do passado, mas conhece pior o Portugal de hoje», sustenta, frisando ainda que «o ensino da língua é indissociável da cultura».
«O nosso ramo é a exportação», afirma por brincadeira, para explicar que muita da actividade cultural anteriormente apoiada pelo IC, virada para o interior do país, cabia na verdade nas atribuições das universidades e de outras instituições. Ao IC compete apoiar aqueles criadores que disputam um lugar nas agendas de eventos artísticos no exterior. A grande aposta é a comparência regular da arte portuguesa e da criação portuguesa contemporânea - com destaque para a dança, as artes visuais, o cinema, o teatro e a música - em eventos e em palcos ou instituições internacionais de reconhecida qualidade, o que o IC faz através da concessão dos apoios à internacionalização, em concursos públicos que decorrem trimestralmente.
Numa instituição que tem como principal missão o ensino, promoção e divulgação da língua portuguesa, outra das preocupações de Simonetta Luz Afonso foi sensibilizar para a sua importância estratégica e valor económico. No entanto, diz, isso é «mais fácil de fazer com números do que com ‘feelings\'». O IC encomendou assim um estudo ao Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa (ISCTE) que permitiu já apurar que a língua portuguesa representa cerca de 17% do PIB português.
Em jeito de balanço, Simonetta Luz Afonso está de acordo com a afirmação de que a língua portuguesa «está bem». E, em seu entender, isso não vai mudar com Acordo Ortográfico, que para ela é «instrumental». Quando for decidido que é para aplicar, aplica-se e mais não há a dizer.