O lançamento pela Universidade Pedagógica de Moçambique (UPM) em 2010/2011 de dois mestrados na área de Interpretação e Tradução de e para a língua portuguesa, com o apoio da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e do Instituto Camões (IC), vai reforçar as condições para que o uso do idioma português nas instâncias internacionais venha a ser alargado.
Os protocolos que estabelecem os termos dessa cooperação, durante três anos, foram assinados pelas partes em Lisboa e Maputo, nos meses de Outubro/Novembro, e os trabalhos de preparação dos cursos de mestrado, que apresentam algumas exigências técnicas, vão agora começar, com o funcionamento de um ‘ano zero’.
O projecto irá iniciar-se com Português, Inglês e Francês, mas desenvolverá, posteriormente, o Árabe e o Suahili.
A criação dos mestrados é «uma clara contribuição para que o português se torne língua de trabalho nas várias organizações internacionais», declara a professora universitária moçambicana Marisa Mendonça. «Penso mesmo que essa é uma das grandes motivações deste projecto», acrescenta a directora da Faculdade de Línguas da UPM.
O português é a língua oficial de diversas organizações internacionais africanas, quer continentais, como a União Africana, quer regionais, como a SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral) e a ECOWAS (Comunidade Económica dos Estado da África Ocidental). E a sua adopção como idioma oficial pelo sistema das Nações Unidas tem sido defendida pelos Estados membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O português já é língua oficial de muitas organizações, mas está sub-aproveitada, afirma Garry Mullender, professor da Faculdade de Letras de Lisboa. «O projecto é um sinal de que as autoridades dos membros da CPLP apostam na sua língua e desejam poder usá-la mais. Para a língua portuguesa se tornar língua oficial da ONU, precisamos de uma pressão e insistência constante por parte dos dirigentes e a vontade de a própria organização arcar com alguns dos custos que isso implica, visto que ultrapassam a disponibilidade orçamental da CPLP. No entanto, a existência de intérpretes de vários países lusófonos é certamente um argumento prático forte para a introdução do português», acrescenta este responsável universitário, coordenador pedagógico do projecto de Interpretação de Conferência, o primeiro a arrancar, no segundo semestre de 2010 (Agosto/Setembro), segundo o calendário escolar moçambicano. O mestrado de Tradução iniciar-se-á em Março de 2011, precisa Marisa Mendonça.
Em Portugal, segundo Mullender, «apenas a FLUL oferece uma formação em Interpretação de Conferência a nível adequado, neste momento». A escola de Paris, ESIT, também oferece formação a lusófonos, acrescenta o docente universitário que diz desconhecer a situação no Brasil. «Em África, a UPM será pioneira», garante.
Para a directora da Faculdade de Línguas da UPM, o projecto vem responder à «considerável lacuna» sentida em Moçambique e em África «no que diz respeito à formação e profissionalização de pessoas que realizam trabalhos nestas áreas (tradução e interpretação). Esta lacuna é claramente assumida por nós, como Universidade e como país e, por África, em reuniões havidas nos últimos anos».
Mas na sua essência, a criação dos mestrados é um projecto internacional, não só pelas instituições que intervêm, mas também, no dizer de Marisa Mendonça, pelo facto de «o público-alvo beneficiado» ser «também heterogéneo», pois acredita que os mestrados «serão frequentados por estudantes provenientes dos países africanos de língua oficial portuguesa, mas não só». Esta internacionalização reforça só por si o objectivo de tornar o português língua de trabalho das organizações internacionais.
Repartição de tarefas
A cooperação da UPM com o IC nesta questão surge na continuidade das relações de colaboração de há muitos anos entre as duas instituições na «formação, capacitação e expansão da língua portuguesa» e «no desenvolvimento de uma série de estratégias comuns, que permitam impor esta língua nas organizações regionais e mundiais, como língua de trabalho», considera Marisa Mendonça. A inclusão da FLUL no projecto decorre da sua «reconhecida competência e experiência na área».
Acrescenta que «a estrutura dos mestrados, principalmente o de Interpretação, foi cuidadosamente desenhada, considerando mestrados de igual natureza oferecidos por outras instituições» e «garantindo sempre a necessidade da sua contextualização a Moçambique e a África».
Os protocolos assinados estabelecem uma rigorosa repartição de tarefas e responsabilidades entre as três entidades envolvidas. À UPM «cabe, sobretudo, gerir, localmente os mestrados, criar todas as condições logísticas e parte dos recursos financeiros necessários ao funcionamento dos cursos e, ainda, responder pela leccionação de cadeiras gerais do Plano Curricular», enumera a docente moçambicana.
Ao IC «cabe apoiar na gestão geral do projecto, […] encetar a maior parte dos contactos com as instituições europeias e outras, que poderão apoiar estas realizações e disponibilizar recursos financeiros para a execução de uma série de acções necessárias ao longo dos cursos». À FLUL «cabe gerir cientificamente os mestrados, disponibilizar docentes para as cadeiras de especialidade e, igualmente, disponibilizar recursos materiais e financeiros para o desenvolvimento dos mestrados».
A professora universitária moçambicana refere que já há cerca de dois anos que o IC, através da então Presidente, Simonetta Luz Afonso, «se mostrou interessado e disponível para nos motivar e apoiar na intervenção na área de formação de tradutores e intérpretes», como forma de se criarem profissionais competentes que assegurassem um trabalho profissional em relação à língua portuguesa.
Até à abertura do mestrado de Interpretação, várias etapas terão de ser cumpridas, segundo Garry Mullender. Primeiro serão criadas as condições físicas – espaços e instalações, bem como adquirido o equipamento técnico, ou seja, um sistema de conferências, cabines, vídeo-conferência, aquisições suportadas pela UPM, financiadora do projecto a par do Instituto Camões.
Os testes de selecção dos 20/25 alunos que frequentarão o primeiro mestrado deverão ocorrer «em finais de Abril e inícios de Maio» de 2010. O número de formadores por curso é calculado por Marisa Mendonça em cerca de 15, tanto da FLUL como da UPM, O coordenador pedagógico local será a professora universitária Carla Maciel. Garry Mullender espera ainda contar com formadores oriundos dos serviços de interpretação da União Europeia.
O funcionamento dos mestrados, em particular o de Interpretação de Conferências, «suprirá a escassez actual de profissionais realmente competentes, permitindo aos dirigentes [lusófonos] usar a sua língua com toda a confiança», antecipa Gary Mullender.
Nova cátedra de Língua Portuguesa na UEM
A criação de um observatório de pesquisa lexical está entre os objectivos da recém-criada cátedra de Português Língua Segunda e Estrangeira da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em Moçambique, para a qual foi nomeada em Outubro a linguista e professora universitária Perpétua Gonçalves.
A nova cátedra foi estabelecida no âmbito de um protocolo entre a UEM e o Instituto Camões (IC), assinado em Março de 2008, com vista à valorização do estatuto da língua portuguesa e das culturas em língua portuguesa, através do desenvolvimento de investigação científica sobre a aquisição do Português como Língua Segunda e Estrangeira.
Entre os objectivos da cátedra está a criação de um portal na internet sobre a língua portuguesa na região austral, bem como a produção de materiais de apoio ao ensino de Português a nível universitário. Também o desenvolvimento de estratégias com a rede de leitorados do Instituto Camões e instituições nacionais nos países da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), tendo em vista a promoção do ensino/aprendizagem do Português, consta das linhas de actuação da cátedra.
A professora moçambicana Perpétua Gonçalves tem desenvolvido desde há longos anos diversos estudos sobre o desenvolvimento da língua portuguesa em Moçambique, um país em que o português é um idioma não materno para a larga maioria da população.
A docente e investigadora tem-se debruçado em particular sobre a inovação léxico-semântica e sintáctica que possa configurar uma nova norma linguística especificamente moçambicana ou africana.
No entanto, nas recentes Jornadas de Língua Portuguesa, organizadas pelo leitorado do Instituto Camões na UEM e pela Secção de Português da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UEM, com o apoio da Rede do Instituto Camões em Moçambique, Perpétua Gonçalves defendeu que a ideia de padronizar o português em Moçambique é prematura.
O léxico da língua portuguesa falada em Moçambique «ainda não tem elementos estabilizados», considerou Perpétua Gonçalves, que sustentou também a viabilidade de se manter em Moçambique o ensino da língua portuguesa com um padrão do «português europeu».
Encarte Camões no JL n.º 146
Suplemento da edição n.º 1023, de 16 a 29 de dezembro de 2009, do JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias