Artes performativas
É uma criadora completa aquela que Miguel Real classificava há três meses, nas páginas do JL, como «a autora mais desconcertante da literatura portuguesa recente». Escreve, desenha, dança e, sobretudo, faz espectáculos que, como a própria Patrícia Portela (n. 1974) de alguma forma reconhece, quando fala das tendências da sua obra, são dificilmente rotuláveis e estão a meio caminho de várias coisas.
Número 135 · 11 de Fevereiro de 2009 · Suplemento do JL n.º 1001, ano XXVIII
«No meu percurso pessoal (e denomino assim os projectos em que sou eu o ponto de partida, sou eu quem desafia outros colaboradores, em vez de ser desafiada) a linha é cada vez mais ténue entre uma performance, uma instalação ou um evento», afirma a autora do romance Para Cima e Não para Norte, saído no Outono de 2008.
2009 vai trazer mais dessa ‘indefinível\' actividade de Patrícia Portela, sob a forma de dois novos espectáculos\' e, tanto quanto se sabe, de duas ‘reposições\'. Em Fevereiro, O Banquete (2007), já com uma larga itinerância, é mostrado com o apoio do Instituto Camões (IC) no Festival VEO (Valencia Escena Oberta), que ganhou o prémio de melhor programação de 2008 em Espanha. É a primeira apresentação de Patrícia Portela no país vizinho, que logo a seguir, em Março, leva Flatland I (2004) a Barcelona, ao festival de dança independente ‘La Porta\'.
Para Outubro está anunciada a estreia (ainda a confirmar), no Centro Cultural Português/Instituto Camões do Luxemburgo, do espectáculo Super-lugares, incluído no projecto «Autour du Portugal - 2009». Antes disso, a 19 de Junho, será apresentado, segundo Patrícia Portela, «um ‘espectáculo\' para ‘ouvidos e orelhas em hora de almoço\' no [Teatro] Maria Matos, inserido no programa das festas da cidade [de Lisboa], com o título de audio menus».
«Super-lugares foi um convite da encenadora Paula Diogo para desenvolver um texto sobre não lugares, lugares multifuncionais, lugares que estão entre lugares», diz a criadora da trilogia Flatland, cujo espectáculo I recebeu o Prémio ‘Madalena de Azeredo Perdigão\' de 2004.
«De certa forma é a primeira ‘encomenda\' que tenho, e estou muito entusiasmada com a ideia de ter um desafio que é lançado de um mundo exterior (a Paula), e que vem estabilizar o meu ‘mundinho\' com o qual já me vou habituando a estar. É desconfortável e sedutor ao mesmo tempo», acrescenta Patrícia.
«Temos discutido muito sobre o tema, sobre imagens que ambas temos, sobre impressões, outros espectáculos, livros, histórias que nos fascinam, e desta forma, temos vindo a conhecer-nos e a descobrir qual a melhor forma de trabalharmos uma com a outra».
Já o projecto audio menus, explica, «consiste numa série de peças radiofónicas para ouvir à hora do almoço ou na hora do café em frente a uma refeição ou aperitivo. Juntamente com o seu pedido gastronómico e em troca de um B.I. deixado no balcão, o cliente leva para a mesa uma história (15 minutos aproximadamente), escolhida a partir de um menu: histórias para a auto-estima, histórias contra o patrão, cartas de amor exclusivas, uma novela de ‘faca e alguidar\', um conto erótico, a descrição de uma paisagem impressionista, histórias para dois, histórias a três com direito a momentos de grande acção, paixão ou traição».
No Maria Matos, diz, será feita «uma primeira e exclusiva abordagem» durante o festival, mas o projecto será depois alargado a outros espaços de restauração.
Onde deixam Patrícia Portela estes dois novos espectáculos? Para a criadora portuguesa, eles «mostram uma clara ‘bifurcação\' na ‘história\' recente das Produções Prado», a associação cultural a que pertence e com a qual produz a grande maioria dos seus eventos. «Se por um lado me interessa cada vez mais colaborar ao nível da escrita com outros artistas/actores e/ou encenadores portugueses ou estrangeiros, que admiro e respeito muito, como é o caso de Paula Diogo, Tiago Rodrigues ou Cláudia Jardim, por outro, no meu percurso pessoal [...] a linha é cada vez mais ténue entre uma performance, uma instalação ou um evento, sendo raramente apresentada em espaços teatrais convencionais». «Super-lugares e audio-menus são dois bons exemplos de duas linhas que têm vindo a conviver no meu trabalho», acrescenta.
«É importante para qualquer fazedor de espectáculos manter a curiosidade sobre diferentes processos de trabalhos, diferentes imaginários e diferentes estéticas, métodos, de forma a poder sempre crescer e melhorar a sua linguagem artística. É sempre perigoso ficarmos agarrados a algo quando estamos convencidos que o fazemos bem (até porque se achamos que o fazemos bem, provavelmente é por que não o fazemos) ou, pelo menos, já não o fazemos com a dose de desafio e aventura com que o deveríamos fazer!)»