Nova Deli
Não aprendem português por exotismo, saudade ou pura curiosidade. São "essencialmente pragmáticas" as motivações que levam os alunos de João Pedro Faustino, na Universidade de Nova Deli, a aprenderem a Língua Portuguesa. Uma consequência do enorme crescimento económico que a Índia tem conhecido desde a década de 90, assente no sector de serviços, que tornaram aquele país do sul da Ásia no back-office do mundo.
Número 122 · 13 de Fevereiro de 2008 · Suplemento do JL n.º 975, ano XXVII
"Há muitas multinacionais que optam por deslocalizar as suas operações para aqui. Estas multinacionais necessitam de especialistas em línguas estrangeiras, que possam comunicar com clientes em todo o mundo. Os alunos de língua portuguesa, como de outras línguas estrangeiras, podem obter com relativa facilidade empregos muitíssimo bem remunerados em empresas com grande reputação", explica João Pedro Faustino.
"Temos alunos com perfis muito diferentes: alguns estão ainda a concluir as suas licenciaturas, outros terminaram os seus estudos e estão já inseridos no mercado de trabalho".
Além da Universidade de Deli, existem na Índia cursos de Língua e Cultura Portuguesa nas universidades Jawaharlal Nehru e Millia Islamia (ambas em Nova Deli), na Universidade de Jadavpur (Calcutá), na Universidade de Goa, no Centro Cultural Português de Nova Deli e no Centro de Língua Portuguesa de Goa.
Ao todo, são cerca de três centenas os alunos de Língua Portuguesa em toda a Índia em instituições apoiadas pelo Instituto Camões, divididos em partes mais ou menos iguais entre Nova Deli e Goa, números ainda reduzidos, mas que João Pedro Faustino acredita irem crescer consistentemente, no médio prazo. Uma das prioridades do Instituto Camões é pois, precisamente, a criação de bacharelatos e de licenciaturas em língua portuguesa em Nova Deli, bem como a formação de professores.
Nascido nas Caldas da Rainha, mas criado na pequena vila da Benedita (Alcobaça), João Pedro Faustino, 27 anos, é desde há três anos Leitor de Língua e Cultura Portuguesa na Universidade Nova Deli e um dos 389 docentes que formam a rede do Instituto Camões no estrangeiro.
A sua adaptação à vida na Índia foi "relativamente fácil, talvez pelas semelhanças que, no fundo, existem entre a cultura indiana e as culturas do sul da Europa". Reside no norte de Deli, área famosa pelo seu trânsito difícil, dado que o campus da universidade ali se situa. "Para me deslocar, faço uso de todos os meios de transporte disponíveis: o autocarro, o riquexó, o auto-riquexó e, sobretudo, o metro. Este é mesmo a solução ideal para viajar: não é necessário regatear preços, é limpo, rápido e, apesar do número excessivo de utentes, ainda impera nele algum civismo".
Quando a oportunidade surge e a sua actividade lhe dá algum tempo livre, João Pedro Faustino aproveita para viajar por um país que considera "fascinante".
A docência na Universidade de Deli de quatro cursos de Língua Portuguesa, com o auxílio da colega indiana, Manjulata Sharma, não esgota as suas funções, que envolvem a organização e participação em múltiplos eventos culturais em ligação com o Centro Cultural Português de Nova Deli e o Centro de Língua de Goa, para ultrapassar "os estereótipos e limitadas referências que de nós os indianos têm" e dar-lhes a conhecer "o Portugal de hoje, moderno, multicultural, tolerante, consciente da sua história, mas com os olhos postos no futuro".
"Quando perguntamos, na primeira aula, a alunos de língua portuguesa, o que conhecem de Portugal, da cultura portuguesa ou do universo lusófono, surgem as referências previsíveis a Vasco da Gama, a Goa, a alguns países lusófonos, sobretudo ao Brasil. Somos também considerados um povo amável, simpático, acolhedor, um país desenvolvido que é membro da UE". Já Cristiano Ronaldo, um ícone da west coast of Europe, "não é muito conhecido aqui, os indianos preferem o críquete ao futebol".
A visão ancorada na história, na referência à descoberta do caminho marítimo para a Índia e à presença portuguesa em Goa, Damão e Diu, surge matizada entre as elites, que olham para Portugal "essencialmente como uma nação europeia, moderna e avançada, um bom destino para férias".
João Pedro Faustino considera um "privilégio" estar a assistir às mudanças que se estão a operar na Índia, um país de "grandes contrastes", resultantes do facto de ser "um subcontinente que se distingue pela sua energia criativa, pela sua diversidade cultural, linguística e geográfica".
Esses contrastes, nota, fazem com que a Índia seja um país que possui "urbes colossais, mas em que a maioria da população ainda vive no campo". Apesar disso, "há costumes ancestrais que, a pouco e pouco, vão sendo postos em causa: muitos jovens saem à noite, vestem roupas ao estilo ocidental, alguns têm namorados ou namoradas e escolhem casar por amor; a igualdade entre homens e mulheres tem sido defendida de modo intenso" e "o Estado tem desenvolvido esforços para combater o sistema de castas e a prática do dote, oficialmente banidos".
De momento, estas mudanças "afectam sobretudo a superfície da sociedade", mas, "em especial nas cidades, irão com certeza alterar a médio prazo o sistema de valores de algumas classes sociais indianas".
João Pedro Vicente Faustino, nasceu nas Caldas da Rainha a 19 de Outubro de 1980, mas creceu na vila da Benedita (concelho de Alcobaça), onde viveu aos 18 anos, altura em que entrou para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde cursou Línguas e Literaturas Modernas, variante de português e inglês.
No 2º ano da faculdade decidiu candidatar-se a um posto de leitor do Instituto Camões, mas ainda teve de aguardar uns anos para poder concretizar esse objectivo.
Completou a licenciatura em 2002 e inscreveu-se no Ramo de Formação Educacional na mesma faculdade, curso que terminou em 2004. No mesmo ano, candidatou-se a um Leitorado do Instituto Camões, tendo sido seleccionado. Foi-lhe proposto o leitorado de Nova Deli, posto que assumiu em 2005.