No dia 5 de junho, às 18 horas, é inaugurada na Galeria do Instituto Camões-Centro Cultural Português em Maputo, uma exposição de 65 fotografias a preto e branco – Nas Margens do Índico – de José Paula, que resultam de 20 anos de atividade de investigação na costa leste africana, em particular Moçambique, mostrando a diversidade de ambientes da zona costeira de Moçambique e Tanzânia, desde a ilha de Zanzibar ao Estuário do Rovuma, e das Quirimbas à ilha da Inhaca.
As atividades de pesca de subsistência são o tema central, sendo mulheres e crianças os atores principais. Todas as imagens são contextualizadas através de um texto de apresentação da autoria de Mia Couto.
José Paula é biólogo e Professor Associado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa na área de Biologia Marinha. Profissionalmente dedicado ao ensino e à investigação da biologia e ecologia marinhas, em especial em ecossistemas costeiros tropicais, é colaborador permanente da Universidade Eduardo Mondlane, como professor e investigador.
Atualmente ministra cursos de Ecologia Marinha no âmbito do programa de Mestrado. É fotógrafo amador de longa data, com especial interesse na biodiversidade costeira e atividades tradicionais humanas respeitantes ao mar e seus recursos.
Mais informação: www.instituto-camoes.org.mz
Palavras de Mia Couto sobre a exposição
Garimpeiras da água
O mar é o não haver a outra margem. Somos nós que a inventamos, além do horizonte. José Paula criou uma margem do lado de cá, uma berma que não vislumbrávamos, mas que sempre esteve dentro de nós. Essa margem é feita de gente. São pessoas comuns a quem ele confere um rosto, um corpo, uma história. São mulheres e crianças que penteiam as ondas, que coletam mariscos como se de lavoura se tratasse. A pesca está reservada aos homens, lá no onde das ondas.
O destino das mães e esposas é ficar, mas elas não moram na espera. Peixe que vier na rede vai ser trocado por dinheiro e ao dinheiro quem dá destino são os homens. Por isso, para que a família não definhe nos magros restos, estas mulheres peneiram as praias como garimpeiros. O que catarem da maré vaza irá encher a panela de cada dia. Poucos sabem mas para as famílias de pescadores do litoral o alimento que estas mulheres retiram das praias é tão ou mais importante que o pescado que trazem os barcos. Esse esforço de milhares de braços é invisível, tão oculto como as vidas que se esbatem na neblina.
Durante anos José Paula percorreu as zonas litorais de Moçambique. Poucos moçambicanos conhecerão a costa de Moçambique como este português que se apaixonou pelo nosso país. À sua bagagem de biólogo juntou o olhar de fotógrafo. O resultado são imagens como se fossem páginas de um diário feito de maresia e de humanas vozes que se liquefazem no quebra-mar.
Muitos estiveram no litoral de Moçambique. E tudo o que viram foram praias. Mas existe, para além desse cenário imediato, um universo de suor e sal, campos de lavra em que milhares de mulheres se debruçam para coletarem sobrevivências. Essa história épica é, de forma sublime, recriada nas imagens desta exposição.
Mia Couto
Maputo, Junho 2012