Uma releitura do romance de António Lobo Antunes O Esplendor de Portugal, que o apresenta como uma tragédia clássica, está em cena até 28 de maio no palco da Casa da Cultura de Seine Saint-Denis, também conhecida pela sigla MC93, na região de Paris, onde desde janeiro é homenageado o escritor português com uma revisitação da sua obra, através de diversos espetáculos, com destaque para nove encenações teatrais.
O termo das representações da adaptação teatral de O Esplendor de Portugal – romance publicado por Lobo Antunes em 1997 –, a cargo da companhia normanda Théâtre en Partance, com encenação dos seus dois fundadores Valérie Aubert et Samir Siad, tem lugar no Domingo de Portugal da MC93.
Neste dia, além do espetáculo teatral, haverá leituras de obras de Lobo Antunes, a exibição de curtas-metragens de José Miguel Ribeiro, João Nicolau, Jacinto Lucas Pires e Zepe, e ainda um concerto da cantora franco-portuguesa Bévinda.
Como transformar os livros de Lobo Antunes, que nunca escreveu textos dramatúrgicos, em espetáculos teatrais tem sido o principal desafio da homenagem ao escritor português. No entanto, como dizem Valérie Aubert et Samir Siad numa entrevista ao sítio de informação cultural francês Mondomix, teatro e literatura partilham dois aspetos - apesar de se encontrarem a uma boa distância do mundo real, o que dão aos homens é vital e insubstituível: o tempo, a distância, o olhar, a dúvida, a compaixão e a loucura.
A «missão impossível que os dois encenadores franceses se propuseram foi facilitada, segundo eles, por vários aspetos da escrita de Lobo Antunes e do romance.
«A escrita de António Lobo Antunes pareceu primeiramente profundamente musical, com as suas diferentes vozes polifónicas, as suas árias, os seus coros, os seus tempos, os seus coda da capo», dizem Valérie Aubert et Samir Siad. «Este trabalho de composição à volta da palavra autoriza e permite uma transposição cénica para um momento de teatro em que é precisamente a palavra viva que se torna no motor da ação».
Depois, a própria história de uma família destruída pela guerra colonial em Angola e pelo destino, contada no romance, remete, na apreciação dos encenadores, para «um mecanismo trágico tal como os antigos o legaram a nós». «Além disso, a arrogância dos primeiros colonos portugueses em Angola, o pecado colonial original denunciado por Lobo Antunes, contagia todas as gerações até arruinar os destinos dos filhos de Carlos, Rui e Clarisse, que fugiram de Angola para Lisboa, onde tentam, em vão, encontrar um lugar na comunidade portuguesa».
A esta dimensão da tragédia clássica, Valérie Aubert et Samir Siad juntam a criação por Lobo Antunes – «através da elipse e da fragmentação aparentemente sem lógica mas ó quão orquestrada da sua escrita» – de um «universo que oferece numerosas semelhanças com o de Anton Tchekov», o dramaturgo russo autor de O Cerejal.
O Esplendor de Portugal bem poderia ter como subtítulo Um Cerejal Africano, porque evoca a vida de um grupo humano mergulhado no passado e com poucas perspetivas para o futuro, um círculo familiar que enfrenta o fim de um mundo, arrancado à sua terra, onde o anedótico das trocas se junta de facto ao universal e ao trágico da condição humana», dizem os dois encenadores franceses que, nesta entrevista ao Mondomix, pedem para António Lobo Antunes o Prémio Nobel da Literatura.